Living in a prison

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Eu estava correndo por uma bela campina de flores, sentindo o calor do sol tocando em minha pele e a textura do gramado em meus pés quando... fui acordada pelo despertador, que marcava 06h da manhã.

- Ahh estava bom demais para ser verdade - resmunguei sonolenta.

Senti minha mão batendo no relógio e adormeci novamente por alguns segundos, que pareceram uma eternidade.

Pliiiimmmlimmmm (som do despertador).

Raiva e confusão, abri meus olhos forçadamente e me odiei por não ter comprado o blackout naquela promoção semana passada, com essa luz toda não tem como fingir que ainda é de noite.

Priiiiilimmmmlimmmm.

- Despertador maldito, eu ainda vou te jogar na parede.

Me sentei na cama pensando em quais desculpas seriam mais convincentes para faltar hoje. Atestado? Sem chance, demissão na certa. Morte de algum familiar? Eu nem tenho família, e todos sabem disso. É não vai ter jeito.

E assim começou minha sexta-feira, comigo sentindo todos os poros do meu corpo transbordando mal humor e cansaço após uma semana insuportável de trabalho. Mas como sabemos, não é todo mundo que nasce com a opção de viver sem trabalhar, então lá vou eu me arrumar para mais um dia.

Encarei o reflexo bagunçado no espelho e pensei que finalmente não me assusto mais com essa coisa que chamo de cabelo. Usar o pente nisso não seria muito sábio, então como sempre a melhor opção é me enfiar embaixo da água e aproveitar para ver se minha alma volta para o corpo.

Alguns minutos depois, com a dignidade recuperada, estou eu olhando meu armário e pensando que preciso de mais criatividade na próxima vez que for comprar roupas. Me visto com um terninho preto, como o que usei ontem e antes de ontem e desisto de escolher já que não tenho muitas opções. Passo pela minha cozinha vazia, sem nenhuma frutinha para enganar a fome, zero novidades, então lá vou eu novamente pedir um Uber e sair de casa sem café da manhã.

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Londres é sempre tão movimentada, sinto como se estivesse vivendo em um filme no modo acelerado.

Trabalho na CSO Advogados, uma empresa renomada na área de direito empresarial coordenada pelos irmãos César, Stefan e Otto. Mentalmente eu os chamo de o trio encrenca, pois são pessoas extremamente arrogantes que não perdem a oportunidade de tirar a paz alheia.

Sou advogada e atuo com foco em processos documentais de grandes organizações, uma responsabilidade enorme que requer muita dedicação e foco, e isso alinhado os meus amados "chefes" me impedem de ter uma vida além do emprego. Faz 04 anos que me formei com honras na Cambridge e através de um processo seletivo consegui a tão sonhada vaga na CSO, sendo assim precisei me mudar da Inglaterra para cá.

Esse sempre foi meio maior objetivo profissional, era para ser minha grande realização..., mas não sei se ainda vejo desta forma. Apesar de minhas dúvidas, me mantenho focada pois minha carreira aqui dentro foi muito difícil de ser alcançada, envolvendo muitos sacrifícios.
Ao chegar no escritório desejo uma boa sexta-feira ao pessoal da recepção e já recebo uma enxurrada de pastas cheias de papeladas, percebo então que terei um longo dia pela frente.

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Já são 14h30 e ainda não comi nada. Pela manhã mal tive tempo de me sentar antes que Otto me cobrasse milhares de coisas sem ao menos me desejar "bom dia", desde então, só consegui me levantar 01 vez para ir ao banheiro e não tive tempo de fazer mais nada em meio ao tanto de coisas que preciso entregar ainda hoje.

Meu celular notificou um SMS de Joe Albernaty, meu grande amigo, me convidando para ir ao pub com ele e sua esposa relaxar. Ele vive me dando sermões sobre o ritmo da vida que levo e como isso pode afetar minha saúde, mas infelizmente não me vejo saindo daqui antes das 23h, assim como ontem e como todos os dias.

Minha nuca está doendo tanto que nem consigo virar o pescoço, meus olhos estão embaçados, mas digo em minha mente que é apenas uma tontura pela fome. Posiciono os óculos em meu rosto novamente e continuo tentando ler os inúmeros documentos, mas são tantas palavras e elas parecem se embolar em minha frente, como se estivessem em outro idioma. Como se não fosse o suficiente mais uma pilha de papéis é jogada em minha mesa.

- Beauchamp preciso que revise e assine esses contratos logo, os clientes estão esperando nossas respostas.

Mas que porcaria é essa? Tento respirar fundo e repetir o mantra "Calma Claire, Calma Claire".

- César preciso que entenda que faço apenas uma coisa por vez, estou conferindo os que me trouxe há 20 min atrás, o que precisa que eu faça primeiro?

Vejo seu olhar irônico e sinto meu estomago revirar.

- Não te pago para questionar, te pago para cumprir minhas ordens. Se não me entregar tudo isso até as 15h dê adeus ao seu cargo aqui dentro. - Ele sorri com seus dentes amarelos e sai marchando para sua sala.

Ódio, aflição e desespero me preenchem. Sinto minha garganta apertar, não consigo sequer respirar direito, como posso dar conta de tudo isso?

Corro para o banheiro, estou com muita ânsia, mas não consigo vomitar! tento me lembrar qual foi a última vez que comi, mas só me lembro de ter almoçado um sanduiche ontem, estava tão exausta a noite que só tomei um banho e desmaiei na cama.

Tento contar até 20 e respirar fundo, estou dizendo para mim mesma que darei conta, que posso ficar tranquila! Mas sei que estou mentindo.

Cada dia aqui é uma dimensão diferente de inferno. Quantos anos estou trabalhando nesta empresa sem sequer ter um dia de folga? Nos fins de semana preciso trabalhar de casa se quiser ter tudo em dia para me permitir dormir durante a semana, não parei em um único feriado, nem sei o que são férias.
Minha cabeça está latejando, tudo o que quero é sair daqui.

Mas sou teimosa e retorno para minha mesa decidida a enfrentar aquelas horas que faltam e não trabalhar amanhã. Preciso de descanso, não posso adoecer de jeito nenhum.

Em meio ao turbilhão de pensamentos sinto a presença do César atrás de mim, odeio esse perfume que ele usa, ouço-o tagarelando ao longe, mas sou incapaz de compreender suas palavras. Sinto meu corpo esquentar como se fosse explodir, as batidas do meu coração em meus ouvidos e quando vejo já estou de pé encarando-o furiosamente.

- VAI TRAZER O CHICOTE? QUER SABER, EU ME DEMITO! ASSINE VOCÊ MESMO ESSAS PORCARIAS, NÃO AGUENTO MAIS.

Silêncio. Acho que todos ouviram meus gritos, os papeis estão jogando no chão e ele está chocado olhando para mim. Sua cara gorda passa de vermelho a roxo em segundos e antes que eu possa pensar no que acabei de fazer, pego minha bolsa e saio correndo loucamente.

Para onde? Não sei, mas o que importa?

Quando caio em mim estou andando nas ruas movimentadas, tão cansada que mal posso raciocinar. Para onde Claire? Não sei, não sei... e só sigo sem rumo até parar na Estação de trem, pulo as catracas e entro no primeiro vagão que vejo, está praticamente vazio, me sento próximo a janela encostando minha cabeça no vidro gelado.

O que foi que eu fiz? Minha garganta está trancada e minhas mãos suando, então decido que não estou pronta para lidar com tudo isso agora e opto por simplesmente me desligar do mundo, afinal eu mereço um minuto de paz. Fecho meus olhos e me deixo embalar pelo balanço do trem.

Uma longa jornadaOnde histórias criam vida. Descubra agora