Kaellius
Sinto o gosto do sangue chegar a minha boca na medida em que ergo para receber o próximo soco.
O guarda não mede esforços para realizar essa tarefa, mas não vou ceder. Não dessa vez.
Pode não haver graça alguma em estar sendo torturado nessa prisão escura e nojenta, mas sorrio como se estivesse.
Mais um soco.
O sangue jorra no chão e eu caio. Alguns segundos se passam até eu voltar a olhar para cima novamente. Percebo que o guarda está cansado, e é isso que aumente minha vontade de levantar.
— Você não se cansa? — Ele pergunta, balançando a mão que socou minha cara. Está quase roxa.
— De jeito nenhum! E você? — Falo esboçando um sorriso com meus dentes avermelhados.
Todos sujos com meu próprio sangue.
— Seu porco. — Ele dá mais um soco. E dessa vez chuta meu estômago repetidas vezes.
O bico de ferro frio da bota queima ao encostar no meu abdômen, com mais ossos aparentes do que pele propriamente dito.
Não consigo levantar por mais que tente. Minha respiração enfraquece a cada chute.
Sinto meu corpo ceder sob aquele chão já molhado com meu sangue.Ele para por alguns segundos e isso me dá chance de enviar ar aos meus pulmões.
— Termine logo com isto. — Falo, tomando cuidado para não demonstrá-lo que estou implorando.
O guarda puxa sua espada, mas ao invés de enfiá-la em meu peito de forma rápida, — e só consigo pensar no quanto eu desejaria isto. — ele vira-a para o lado do pomo e o acerta em minha têmpora.
O mundo inteiro gira ao meu redor.
Minha visão fica turva.
Consigo vislumbrar a sombra do soldado saindo da cela antes do meu corpo ir ao chão, sem consciência.✥
Acordo com a cabeça latejando de dor. Percebo que há um ferimento onde o pomo da espada me acertou. O sangue seco forma uma linha na lateral do meu rosto.
Como de costume neste inferno, os soldados vão embora após terminarem a diversão com os prisioneiros, deixando-os para morrer.
Infelizmente isso não se aplica à mim. E acredito que seja por isso que sou o favorito deles.Aqui, sentado nesse chão ao lado de uma poça do meu próprio sangue, que já se mistura com a terra, virando nada mais que lama, só consigo pensar em casa. Ou no que pode ter restado dela.
Faz muito tempo desde que a vi pela última vez.Sinto falta do sol na minha pele; da neve congelando todos os meus ossos; da água molhando meu corpo inteiro.
Sinto falta de tudo lá fora.Acima de tudo, sinto falta de ter alguém para conversar quando as coisas chegam no limite, e eu fico à um passo de foder comigo mesmo.
As correntes me prendem, mas luto para excluir o pensamento de enrolá-las no meu pescoço e apertar até sentir a vida sair por cada espaço.
Afinal, não tenho nada a perder.A última pessoa a qual partilhei coisas sobre mim agora jaz ao meu lado.
Apenas seu esqueleto.
Os soldados o torturaram até a morte, e não satisfeitos, o jogaram aqui.— Vinhemos devolver sua companhia. — Eles disseram.
— O que fizeram com ele? — Protestei, levantando e indo em direção à porta.
— Acalme-se, porco. — Um deles falou. — Seu namoradinho até resistiu por bastante tempo. Mas acho que ele não falará tanto como antes. Muito menos poderá partilhar seu corpo com você.
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A Princesa Perdida
FantasíaVallerye Exmoor nunca se preocupou com o fato de viver sempre dentro dos limites do castelo. Sua vida inteira fora rodeada por coisas que desejava, para assim compensar os anos presa entre aquelas paredes de concreto. Tudo muda quando um acidente e...