Capítulo VIII

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Kaellius

Existe uma certa graça em estar aprisionado.

Depois de um tempo nada parece caminhar normalmente, como se o universo estivesse estabilizado e não mais em completo movimento.

Lembro-me muito bem do dia em que nada mais fez sentido. Do dia em que o tempo parou e eu vi minha vida sendo perdida enquanto estava jogado numa cela fria.

Lembro que chorei nesse dia porque não conseguiria suportar o fato de estar ali, naquelas condições. Só que depois de tanto chorar eu percebi que de nada adiantaria, pois não importaria quantos litros de lágrimas eu derramasse, ou de quantas vezes eu rasgasse minha pele nas pedras pontudas das paredes, eu nunca iria sair daquele lugar. Nunca mais veria a luz do sol novamente, ou meu reflexo na água.

Foi nesse dia que eu senti meus sentimentos sumirem. Senti eles deixando lentamente meu corpo, tornando-o vazio e sem vida.

Pude, naquele momento, experimentar como não é sentir nada nem ninguém. E por algum motivo eu gostei.

Ainda odeio o fato de estar preso, mas não nego que gostei de não sentir nada. Gostei de ser alguém que não tinha nada para o que lutar.

Gostei disso porque finalmente eu me aceitei como sempre fui.

Estou deitado no chão frio enquanto olho para o teto cheio de musgo.
Uma gota de água persistente está caindo e eu estou tentando apara-la com a boca, no intuito de amenizar a sede.

As vezes eu desejaria ser como essa gota d'água que nunca para de cair. Ela continua fazendo seu trabalho não importa as circunstâncias, ela vai continuar caindo sem desistir.

Queria não poder desistir, mas acho que já fiz isso a muito tempo.

Tentei, por anos, seguir as palavras de Allon:

Sem medo, sem hesitar

Tentei ser firme, e tentei lutar para sair daqui, mas quando me dei conta de que isso nunca aconteceria, eu simplesmente desisti do meu único propósito:
Ser livre.

Levanto bruscamente do chão quando ouço gritos ecoarem nos corredores da prisão.

São gritos agonizantes. Gritos de desespero e de medo.
Conheço esses gritos muito bem pois se tornaram recorrentes aqui.

Estão levando outro preso para ser torturado.
Enquanto os berros soam pelas paredes deste lugar, eu só consigo imaginar qual prisioneiro será dessa vez.

Qual será sua história, e o porquê de estar aqui.
Será que tem filhos e esposa? Será que estava tentando mantê-los vivos e lhes dar uma vida melhor?

Ou será que é um assassino de aluguel que ganha a vida matando pessoas?

De qualquer modo, acredito que ninguém mereceria passar por aquela sala. Ninguém merecia sofrer aquilo.

Digo isso, pois eu mesmo já passei por ali centenas de vezes.

No inicio, quando forçaram os prisioneiros — hoje todos mortos, exceto eu— a construir a sala que seria usada para torturas, eles me usavam como brinquedo diversas vezes no dia.

Me torturavam. Jogavam-me na cela até as feridas cicatrizarem e depois me levavam outra vez.
Em inúmeras ocasiões, enquanto esperavam eu me curar, eles pegavam outros prisioneiros para se divertir.

Eu vivi grande parte do tempo com esses prisioneiros, não suportava ver aquilo, então eu me oferecia a ser torturado no lugar deles mesmo ainda estando com as feridas abertas.

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