10

4.4K 499 199
                                    

A noite é silenciosa e desprotegida: um vácuo de sons. Deve estar frio, mas eu não noto, ou porque estive bebendo ou porque meu sangue está fervendo, ou talvez as duas coisas. Seguro a mão de Jennie até termos atravessado a calçada na frente da casa de Charlotte. Ela para de repente e solta a mão.

Nós nos viramos, encarando uma à outra. O peito dela sobe e desce; o olhar é perfurante.

- Eu sinto muito - digo baixinho.

Ela desvia o olhar.

- É como eu disse. - A voz dela está estranhamente calma. - Você foi arrogante em pensar que conhece minhas inimigas melhor do que eu.

Engulo em seco.

- Tem razão.

Roseanne e Nayeon nos alcançam no carro. Nayeon imediatamente se joga sobre Jennie, afagando o cabelo dela e perguntando se está tudo bem.

- Estou ótima - Jennie diz, categórica, afastando a amiga. - Por favor, pare de me sufocar.

- Charlotte Pascal é um lixo - Roseanne diz. Os olhos dela ficam com aquele aspecto destrutivo que ela adquire quando está na quadra de basquete, mas ela olha inesperadamente para Jennie. - Mas é melhor que você esteja falando sério sobre ser gay. Não dá pra fingir que você gosta de meninas pra ganhar uns votos.

- É claro que ela está falando sério - Nayeon retruca. - Você não sabe do processo que ela passou, não consegue imaginar a homofobia internalizada...

- Minha melhor amiga também é gay, Nayeon - Roseanne diz, alto. - Então você vai me entender se eu quiser me certificar de que ela não está sendo enganada por essa coisa toda.

Jennie dá uma risada forçada. Ela se encosta no carro, balançando a cabeça.

- Enganada. Esse é um jeito interessante de falar.

- O que você quer dizer com isso? - Nayeon pergunta.

Jennie e eu nos olhamos. Eu me preparo para ela descartar nosso acordo por completo e, naquele instante, quase quero que ela faça isso. Esse negócio já nos causou mais problemas do que precisávamos. Para nós duas.

Mas, como sempre, ela me pega de surpresa.

- Nada. - Ela funga. - Vamos só embora daqui. Estou cansada de pensar. Estou cansada de fingir.

Nayeon assente em simpatia. Roseanne pressiona os lábios, mas olha para mim, em deferência.

- Ok - digo, tentando me centrar. - Vamos embora. Mas outra pessoa precisa dirigir.

- Eu dirijo - Nayeon diz. - Não bebi hoje.

Eu assinto, passo as chaves para ela, e então me jogo no banco de trás. Quando Roseanne desliza ao meu lado, encontro o olhar dela, encabulada.

- Você falou para Gunther e Jisoo que não vamos voltar?

- Aham - responde ela, curta. Roseanne estava se divertindo bastante com Jisoo, mas trocou isso por tomar conta da minha namorada falsa e de mim. Não pela primeira vez, eu me sinto indigna da amizade dela.

Jennie se ajeita no banco do carona na minha frente. Observo a expressão dela pelo espelho retrovisor quando saímos do meio-fio. Ela parece inteiramente derrotada. Sei que não é por minha culpa, mas ainda assim sinto o peso disso.

Não foi sua culpa, mamãe tinha me dito no dia do acidente, mas ainda é sua responsabilidade.

Eu falo antes de pensar duas vezes:

- Talvez a gente devesse aproveitar a noite, só nós quatro.

Roseanne me encara como se eu tivesse entrado em curto-circuito. Jennie mantém o seu silêncio frio, mas Nayeon, que Deus a abençoe, exclama deliciada.

A Jogada do Amor (Jenlisa)Onde histórias criam vida. Descubra agora