Bendito seja Miya Atsumo na vida de Sakusa

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Depois que Sakusa deixou a casa de Atsumo, ele teria que admitir, não estava seguro de que tinha culhões o suficiente para encarar o próprio pai. Quer dizer, ele já teve quando mostrou que tinha algo com o vizinho. Algo no sentindo romântico.

No reflexo da porta de vidro, suplicava coragem aos céus enquanto julgava o péssimo hálito e o cabelo emaranhado. Às vezes era difícil reconhecer o Kyoomi de alguns meses atrás. O Kyoomi que estava sempre perfeito e preocupado com o futuro.

Ele não se sentia desleixado por ter deixado de lado tal rotina. Nem um pouco, porque aquilo fazia bem. Afinal, de rugas para mais rugas, rugas de sorriso antes de rugas de estresse.

Para sua surpresa, quando entrou em casa, não deu de cara com o progenitor. Suspirou aliviado, mas ainda não tão aliviado, porque sua mãe largou as panelas no fogo indo em sua direção.

— Seu pai já sabe. — Foi o que ela disse.

"E quem não sabe?", pensou. Estava andando muito com Atsumo, o suficiente para falar como ele sem perceber.

Se fosse para ser sincero, Kyoomi fugiria daquela conversa até o dia de seu último suspiro. Por algum motivo, qualquer conversa íntima ou sentimental que envolvesse os pais eram mais assustadoras do que comer sem lavar as mãos depois de cuidar do jardim.

— Sabe... — Disse.

— Ah, Omi. — A Sakusa abraçou o filho com força. — Você sabe como seu pai é um estúpido, mas eu jamais vou deixar ele interferir na sua felicidade.

— Como a senhora se sente? — Retribuiu o ato quando viu que ela estava prestes a chorar. — Mãe?

— Não se preocupa. — Secou os olhos, segurando ambas mãos do mais novo, em busca da bendita aliança. — Eu tô feliz, olha só pra você!

— Eu também, e a senhora nem imagina quanto. — Faltava jeito na sua fala, era nítida sua timidez ali.

— Obrigada por confiar em mim.

— A senhora não tem que agradecer. — A abraçou de novo.

— Você é meu filho, meu único menino, que já é um homem. — Se separou do abraço para segurar o rosto de Kyoomi. — Eu só preciso que você tenha paciência com o seu pai, ele já é um burro chucro por natureza, mas ele não quer o seu mal.

Ele já devia imaginar, sempre terminava assim. E por mais que seu pai quase nunca se mostrasse realmente compreensivo, ele precisava dar o braço a torcer. Pelo menos até ele ter condições o suficiente para não depender mais dele.

— Tudo bem. — Suspirou, mas ainda esboçava um sorriso mínimo, indo em direção às escadas. — Eu preciso tomar um banho, tô podre.

— Ah, tem mais uma coisa. — O Sakusa mais novo parou antes de pisar no primeiro degrau. — Você pode me contar as coisas.

Kyoomi ficou um pouco confuso, não sabia ao certo como interpretar essas "coisas". Mas de qualquer jeito, não tinha porquê ele se fechar com a mãe. Ainda mais naquele momento.

Talvez o que ela quisesse saber mais sobre a vida do filho. Não só sobre os estudos, o que ele gostaria de comer no jantar ou os seriados que assistiam. Talvez ela quisesse saber mais sobre suas novas amizades, sobre seu dia, até mesmo sobre o Miya.

Uma mãe sabe quando o filho está passando por coisas, sejam boas ou ruins, elas sempre saberão. A Sakusa não achou que algo ruim poderia estar acontecendo quando Kyoomi passou a sair mais de casa. Ela conseguia ver o quão vivo ele estava quando parou de viver feito um robô.

Diferente do pai dele, ela o conhecia bem o suficiente para saber que ele era um bom garoto. Sabia que estava aproveitando sua juventude, que ele estava mais corado. Que ele estava levantando cedo, e não ficava o dia todo trancado no quarto. Pareciam que suas preces haviam sido atendidas: bendito seja Miya Atsumo!

Porque ele estava sempre com um pé atrás com tudo. Kyoomi se perguntava o quão traumática havia sido sua infância para ele se comportar daquela maneira. Na primeira vez que o filho tinha voltado tarde para casa, ele até deu graças à Deus por ele estar saindo como um jovem da idade dele.

Mas aí é que estava, Sakusa Kyoomi ainda era um jovem. E haviam muitas coisas no caminho até a vida adulta que poderiam levá-lo para um mal caminho. Escolhas ruins, arrependimentos, ele não queria aquilo para o filho.

E depois que viu o filho indo para a casa dos Miya com o par de alianças, ele se vestiu e foi para a delegacia onde trabalhava. Cedo o suficiente para que ninguém estivesse lá para atrapalhar sua dramatização sobre ter um filho homossexual.

Com a cabeça de um homem arrogante e antiquado, ele estava sem chão. O que mais lhe assustava não era a idéia de ter um homem à mais na família, por mais que também fosse "aterrorizante". Era o fato de que ele não teria netos.

Não negaria, até mesmo sua mãe tinha ficado triste por isso. Mas eles eram jovens demais para cogitarem um filho. E mesmo que esse namorico jovial durasse, além de existir a adoção, ainda haviam muitos métodos de continuar com o sangue dos Sakusa na família. Se era isso que o preocupava.

Onde trabalhava, ele lidava diariamente com pais desolados porque perderam seus filhos para o mundo do crime. Então ele estava tentando se convencer que era melhor um filho homossexual do que um filho bandido, ou até mesmo um filho enterrado.

Bem-me-quer ou Mal-me-quer?Onde histórias criam vida. Descubra agora