Projeto de capitalismo

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— Quer pedir mais alguma coisa? — Kyoomi perguntou, vendo o loiro lamber os dedos depois de comer o último pedacinho do pão-de-queijo.

— Infelizmente eu não posso, tô de dieta pra ver se entro no time de vôlei quando as aulas voltarem. — Respondeu, cabisbaixo. — Eu criei barriga nessas férias, bem tosco.

Eles haviam conversado até que bastante ali, muito mais do que todas as palavras que trocaram desde o fundamental. Foi bom, para ambos garotos.

Atsumo entendeu que Sakusa não era tudo aquilo que ele julgava ser. Mas ainda não deixava de ser um projeto de Conde Drácula.

E Kyoomi pôde descobrir que Atsumo era exatamente o idiota que ele parecia ser, porém, não era tão burro e esquisito como ele julgava. Era um bom começo, eles nem trocaram piadinhas ácidas enquanto comiam.

Mas, de fato, aquela manhã só mostrava que eles ainda tinham muito o que conversar. E por algum momento, Sakusa sentiu vontade de comprar um dos doces do balcão que o Miya tinha os olhos presos, olhos de um cachorro pidão.

Mas ele estava se esforçando muito para participar do time, Kyoomi apenas chacoalhou a cabeça na esperança de afastar aquele pensamento.

— Me sinto um pouco culpado, deve ser uma tortura ficar aqui com tanta coisa gostosa. — Ele disse.

— Nem se preocupa, é ótimo ter uma companhia pela manhã. Você foi inesperado, não conhecia esse seu lado legal, Omi.

— Você fala como se fosse filho único, sozinho e solitário. E quanto à Osamu?

O loiro nem ligou para o fato de que "sozinho" e "solitário" eram quase a mesma coisa. Osamu... ele havia se lembrado que estava na padaria apenas pra comprar o pão do café para o irmão. E ao contrário disso, ele estava lá há muito tempo papeando com Sakusa.

Já era tarde demais, quando pensou em se levantar para pagar a conta, o gêmeo estava lá: todo descabelado, de pijama, e com o chinelo arrebentado. Sua cara não era nada boa.

— Miya Atsumo!

A sorte era que eles eram os únicos clientes ali, tinha mais uma senhora no caixa mas ela provavelmente era deficiente auditiva por não se assustar com o berro do Miya.

— Miya Atsumo, caralho, seu viadinho de merda!

— Oi, Samu. — O sorriso de Atsumo era mais amarelo que os próprios cabelos mal descoloridos. Enquanto Sakusa tentava ligar os pontos da situação.

— Sabia que era pra você estar em casa já tem mais de uma hora?! Eu pensei que, sei lá, você tinha sido atropelado, ou qualquer coisa ruim que te impedisse de voltar pra casa! — Ele esbravejou.

— É, mas eu tô bem vivo aqui! — Atsumo direcionou os olhos para os atendentes que só espiavam o chilique do irmão. Para que Osamu percebesse o escândalo que estava fazendo.

— Foi minha culpa. — Kyoomi se levantou, ficando entre os gêmeos, com os braços esticados na direção de cada um. — Foi de última hora, acabei enrolando ele aqui.

Osamu intercalou seu olhar na cara de cachorro triste do irmão e na feição de Sakusa. Ele estava igual um louco varrido atrás do irmão, se sentia aliviado por ele só estar tomando café com o vizinho. Mas a cara de bunda não ia sair tão cedo.

— Tranquilo, até perdi a fome.

Ele saiu, mas estava esperando pelos garotos do lado de fora. Esses que andaram rapidinho até o caixa pra pagar a conta e comprar o pão de Osamu. Afinal, era para isso que o loiro tinha saído de casa.

Encontrar com o vizinho gostosão e tomar café com ele foi apenas um pequeno detalhe. Na verdade, é muito feio dizer dessa maneira. Se fosse para ser só isso, então era um baita de um detalhe.

— Ele nem tentou te ligar? — Sakusa sussurrou.

— Deve ter tentado. — Atsumo rolou os olhos por todo o ambiente. — Mas eu não levo o celular pra todo canto.

Eles saíram dali logo depois que o maior fuzilou o loiro com seu melhor olhar de desprezo.

— Só pra você saber, eu não ia esquecer do seu pão.

Atsumo estendeu a sacola para o irmão, que estava sentado no meio-fio. Não estranharia se as pessoas começassem a dar esmola para ele. Estava só o pó.

— Tá me devendo um chinelo. — Ele tomou a sacola sem o mínimo de delicadeza.

Não era a melhor forma de começar o dia, mas ao menos eles tiveram uma boa manhã enquanto Osamu não dava a louca. E com razão, né?

Atsumo era um bocó até quando não queria, e se quando pequeno ele aceitava doce e carona de estranhos... seu histórico não era o dos melhores. Vivia no mundo da lua, mas é claro que ele não cometeria esses erros depois de grande.

Porém, ainda era descuidado ao ponto de atravessar a rua sem olhar para os lados.

O jeito era voltar para casa como se nada tivesse acontecido. Sakusa só estava insatisfeito porque não pode se redmir de fato. Até porque cada um pagou a sua parte, e seu plano era pagar um café para o vizinho. Fora isso, tudo saiu melhor do que ele esperava.

Quando chegaram na rua da casa deles, Osamu passou a andar na frente com passos rapidinhos. Os outros dois acabaram ficando para trás. Parados na frente da casa de Kyoomi, eles deixaram uma risada escapar ao ver o outro gêmeo jogando o par de chinelos no lixo com raiva.

— Da próxima vez, vê se leva o celular. — Kyoomi disse. — Eu senti a preocupação dos olhos dele.

O loiro parou de prestar atenção depois do "vez", sua cabeça estava quase explodindo com tanta informação. Se ele estivesse em um desenho animado seus olhos estariam gigantes com as bochechas rosadas e inumeros confetes caindo ao redor. Então teria mesmo uma "próxima vez"?

— Não curto carregar esse pedaço de capitalismo pra todo canto. — Ele continou como se não estivesse surtando por dentro. — Então... na próxima pode ser lá em casa, ou na sua, eu ainda espero aquela caipirinha.

— Pode ser. — Ele deu de ombros. — Eu quero me redmir pelo seu mp3, só não sei como. Você devia gostar dele.

Atsumo estava pronto para negar, estava na ponta da língua. Ele não sabia da existência daquele aperelho até ficar fuçando nas coisas velhas da mãe há alguns dias atras. E se ele fosse sincero, diria que era uma porcaria, e que se Sakusa não tivesse estragado ele, jamais usaria de novo.

Porém, ele gostaria muito de ver o que o vizinho poderia fazer por ele. Gostava da idéia.

— É, ele tinha várias memórias... — Mentiu. — Criar memórias novas... é uma boa maneira para mim.

— Tem razão. — Retribuiu o sorriso que lhe foi direcionado. — Até mais, Miya.

— Até, Omi.

Bem-me-quer ou Mal-me-quer?Onde histórias criam vida. Descubra agora