A terrível travessia da cerca

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Kyoomi estava tão desesperado para chegar em casa quando pulou a cerca que havia esquecido a carteira, a camisa que usava por cima da blusa, e o celular.

Ele gostaria de fingir que não tinha pressa para buscá-lo, porque também queria fingir que não queria ver o Miya tão cedo assim. Confuso, né? Por isso ele enrolou o máximo que pôde no banho.

Assim como ele enrolou para se vestir, para arrumar o cabelo, e andou se arrastando pela casa até parar na cozinha para comer. Era difícil acreditar que só haviam se passado pouco mais de vinte minutinhos.

Por deuses, não estava nem aí; afinal, não é como se ele fosse uma criança birrenta e desesperada. Já era crescido, sempre teve maturidade o suficiente para lidar com as coisas. Às vezes até demais.

Por isso, ele nem se deu o trabalho de andar até o portão. Pulou a cerca para a casa dos Miya, totalmente desajeitado, tão desajeitado que um do par do chinelos que calçava havia ficado no próprio quintal.

Ele até tentou se abaixar para pegar, mas não alcançava. E também havia se esquecido que os gêmeos não moravam sozinhos.

— Kyoomi? Kyoomi, meu bem, tá tudo certo aí?

Ele não pensou que iria ouvir algo assim em um período de tempo tão curto.

Ele se virou para trás, tentando ajeitar os cabelos e disfarçar o fato que faltava um pé do chinelo. Era a mãe de Atsumo, ela estava apoiada na máquina de lavar e com um cesto de roupas nas mãos.

— Não, quer dizer, tá tudo bem. — Ele se embolou todo em suas palavras. — O Atsumo tá em casa?

— Ah, ele tá sim. — A mais velha deu risada. — No quinto sono.

— É que eu, eu esqueci... — Quase uma mala inteira dentro da sala dos Miya. — Umas coisas com ele.

— Sei, o Osamu falou algo parecido, acho que tá na mesinha da sala. — Ela deixou o cesto no chão, guiando ele até lá. — Pode entrar, fica à vontade.

E não era como se ele já não conhecesse o caminho.

De fato, o celular e a carteira estavam na mesinha. Menos a camisa, porém ele nem deu importância. Não ia abusar da boa vontade da senhora Miya.

E ele também tinha vergonha na cara.

— Soube que você e o Tsumo tem saído juntos. — A mais velha disse quando já estavam na varanda.

Kyoomi teve que lutar contra seus reflexos para não fazer cara de assustado, como se ela tivesse descoberto um crime terrível.

— É verdade, a gente saiu. — Coçou o cabelo, envergonhado.

— Eu fico muito feliz, viu? — Ela voltou a prestar atenção na máquina de lavar. — Eu fico muito mais tranquila em saber que ele tá por aí em boa companhia.

Que horror, dezoito anos nas costas e ainda não sabia reagir à elogios. Este é Sakusa Kyoomi

— Não tem com o que a senhora se preocupar.

Um riso amarelo era o suficiente para ele dar as costas à caminho da cerca. O celular e a carteira já estava de bom tamanho, a camisa ele podia pegar depois.

Pulou para o outro lado da cerca e não demorou para estar jogado no sofá da sala. Haviam muitas mensagens, muitas ligações, para ver. E noventa e sete porcento eram de Motoya.

...

— Então ele veio aqui?

— Veio sim, e ainda entrou pela cerca.

Atsumo só foi acordar mesmo quando beirou as duas da tarde. E lá estava ele, assistindo Good Girls junto com a mãe. Era uma das poucas folgas dela, os gêmeos aproveitavam da melhor maneira.

Isso se o assunto do momento não fosse a aproximação repentina do vizinho.

— A senhora nunca se importou com essas coisas, mas, se incomoda, eu posso pedir pra ele usar o portão.

— E quem disse que eu me importo? — Os gêmeos se encararam, confusos, porque aquele não parecia ser o caso. — Ele é um rapaz comportado, e a cerca sempre esteve à mercê dele desde quando vocês eram crianças.

— Então por que todo esse interrogatório?

— Por isso mesmo, ué? Se quando vocês eram moleques ele se recusava pular a cerca, por que agora depois de velho?

— Credo, mãe, você fala como se ele fosse um homem barbado já. — Atsumo deu risada. — E a senhora pode ficar tranquila, viu? Se tá pensando que eu aprontei algo ou coisa do tipo...

— Pelo amor de Deus! Os dois estão claramente transando.

Osamu não teve tempo de continuar o que tinha pra falar, porque recebeu duas almofadadas na cara.

— De onde você tirou isso?! — O loiro se exasperou, pronto para jogar o que tivesse mais próximo no irmão.

— Quer enganar quem? — Osamu sorriu convencido, como se fosse o dono da razão. — Você não é santo nenhum, e se fosse, seria o do pau oco. E esse é o único motivo pra ele não te tratar mal, xingar ou ignorar. Se liga.

— Por que ele estar gostando de mim não pode ser um motivo?!

— Eu prefiro que guardem a vida pessoal de vocês para si mesmos. — Ela aumentou o volume da TV. — E que se protejam da forma certa.

Naquele momento, a sala inteira ficou silenciosa. Quer dizer, só dava para ouvir o plano da Boland sobre como ela e as meninas poderiam lavar dinheiro.

Atsumo estava incrédulo, seu olho estava com tique de tanto ódio.

— A senhora acha mesmo que eu e o Kyoomi... ?

— Eu não acho nada.

É claro que ela achava, enquanto Osamu mal conseguia esconder o sorriso de satisfação ao ver a raiva do irmão. E ele sentia vontade de fazer picadinho dele, para queimar as cinzas no fogo do inferno e jogar no morro da puta que pariu.

— A minha vida sexual não diz respeito à nenhum de vocês. — Atsumo parou na frente da televisão. — Mas eu e o Sakusa não temos absolutamente nada! Quer dizer, a gente ficou sim na festa do Oikawa, mas a gente não fez essas coisas!

A mais velha só conseguia rir do desespero do filho, enquanto ele nunca quis tanto convencer alguém sobre algo na vida. Porque se tinha um coisa que Atsumo odiava, era quando não acreditavam nele.

— Já acabou? Eu gostaria de poder ver a TV, meu descanso é sagrado e vocês sabem disso.

O gêmeo loiro bufou, mas deu a licença e subiu as escadas para o quarto.

Bem-me-quer ou Mal-me-quer?Onde histórias criam vida. Descubra agora