Prólogo

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— Agora você vê, não é, Maria! Uma boa menina, tinha tudo para ter um bom futuro e ficou de barriga. — Disse, dona Joana, se inclinando na sua costumeira cadeira que não é de balanço, porém a senhora insiste em esquecer este grandioso detalhe. Deixando com a pobre coitada que a sustentava a preocupação de não a fazer cair.

Joana sentava na porta da casa todos os dias religiosamente, era uma senhora solitária que não gostava de estar com ninguém, a não ser ela mesma. Tanto que bate no peito com orgulho ao dizer que não está sozinha e que depende dela e só dela.

— E logo de quem… Graças ao bom Deus, Carmem não está entre nós para ver essa sem-vergonhice. — Reiterou Maria, que estava sentada em um tamborete, inclinada sobre os joelhos, enquanto levava a xícara aos lábios.

Já Dona Maria era diferente, estar ao lado de sua amiga era uma das maiores diversão que havia no seu dia. Tinha família grande, sempre gostou da casa agitada, da bagunça, de quase não ser ouvido em meio a tantas pessoas falando. E, no fundo, sentia um pouco de pena da amiga.

— Mas também o que esperar? A menina teve um péssimo exemplo de mãe, aquela ali? Hum, eu não digo nada! — Soou de modo dramático.

Olhando bem para as senhoras na porta da sua casa, diria que se travam de uma dupla dinâmica. Joana era a destemida que não tinha medo de nada, a que se jogava de cabeça por uma informação de fonte segura.

Enquanto Maria era a que observava sorrateiramente, atrás da janela, para ter a certeza de fatos. Bom, acho mais apropriado dizer que através delas “os fatos mais importantes do dia e os acontecimentos que terão repercussão no dia seguinte” são noticiados e que até hoje nunca se viu melhores âncoras do telejornal do bairro.

— Fiquei sabendo que essa gravidez foi para dar um golpe no bonitão, já que a mãe dela está endividada até o pescoço.

— Não, mulher, acho que foi só para prender ele a ela.

— Você acha? Uma menina tão bonita.

— Ele entrou debaixo dos lençóis dela e depois mandou ela ir embora…

A mulher parou de falar no momento em que ouviu o barulho do plástico sendo arrastado pela calçada. Parando ao seu lado, Juci fincou a cadeira ao lado de suas companheiras, logo se inclinando sobre Joana para chegar até Maria e lhe sussurrar:

— Sonhei com o neto de Carmem! — Voltando a se recostar, balançou os dedos franzinos ante ao rosto na intenção de abanar-se.

— Para isso, foi à igreja hoje?

— Menina, que homem… — falou sonhadora.

Juci era a repórter de rua que hora aparecia, hora não. Das três, era a mais fogosa. Amava satisfazer suas vontades da forma que lhe viesse na telha, era viúva mesmo. Pouco lhe importava o que diziam, afinal uma confissão e algumas rezas lhe trariam a paz de espírito pelos seus pecados.

— Ele já tem mulher. — Provocou Joana.

— E filho. — Completou Maria.

A mulher de meia-idade falou desgostosa.

— Esse filho nem é dele.

— O próprio diz que sim.

— Olhe, Joana, eu ouvi de fontes seguras que essa criança é de proveta.

— Isso é invencionice demais, até para você. — Maria disse descrente enquanto bebericava o que restou do seu café.

— Quem te disse isso, Juci? — Imitando a colega, Joana levou a xícara aos lábios.

— Ouvi por aí! — Deu de ombros. Fazendo o silêncio recair sobre elas enquanto viam o movimento de pessoas subindo e descendo, sem ter nada animador de fato.

E realmente ninguém havia lhe dito. A fonte de conhecimento da senhora Juci estava atrás da porta da sacristia, em uma confissão informal. Mas esse era um erro que Juci não estava disposta a rezar, então era preferível deixar as fontes desconhecidas.

Concordo com as senhoras na beira da calçada de que essa é uma história que merece ser contada. Afinal, foi um golpe? Quando começaram a se envolver? É ou não é uma inseminação?

Eu me sinto intrigada, a professora do primário, que tem péssimo gosto para homens, conseguiu a atenção de um dos mais cotados do bairro. E agora será mãe.

Sendo sincera, eu conheço essa história, de cabo a rabo, cada emoção posta, cada toque, sentido, olhares não descritos e saudades guardadas no fundo do peito. Diferente das três marias futriqueiras, tenho prazer em contar essa história, não com julgamentos nos lábios, mas com um carinho especial.

Não me considero fofoqueira, a vida alheia, para mim, não faz a maior diferença, cada um sabe o que faz para si. Repúdio tomar parte do que não é meu e do que não me interessa.

E poderia contar tudo que aconteceu, mas não seria o mesmo, então deixarei que conheçam a história como eu a conheci. Não, como contam por aí, no dobrar de esquinas, como pequenos retalhos que se formam uma manta, não. Faremos o trabalho de fios, onde um passará pelo outro, se trançando, envolvendo, ganhando com o passar do desenvolvimento uma forma.

Bom, já falei demais e não quero prolongar o “era uma vez”, então… aproveite.

O Céu Na Palma Da Mão [concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora