o sol hoje nasceu igual ao de ontem.

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Me sentia tão cansado que adormeci e nem percebi. Tateei a cômoda ao lado em busca do aparelho e constatei que ali não existia nenhum. Mas logo lembrei que o esquecera na mala de viagem.

Respirando fundo, tomei coragem e me levantei, passei as mãos nos cabelos e fiz uma anotação de cortá-los ainda essa semana, já estavam grandes o suficiente para incomodar os olhos.

Mesmo sentindo os músculos tencionarem ao me colocar de bruços no chão, não deixei que os acontecimentos anteriores afetassem minha rotina. Com isso, decidi hoje, e somente hoje, fazer cinquenta abdominais em vez de cem.

Que horas são?

Tenho que entregar os trabalhos do último período. Graças a Deus, está acabando o meu tormento. Amo a profissão que escolhi, mas às vezes é um porre ter de ficar vendo números e contas o tempo todo. No entanto, escolhi uma ótima carreira, pois a área de Gestão é vasta o suficiente para fazer uma boa escolha.

Com a toalha no ombro e a escova em mãos, ultrapassei a porta que era em frente à cozinha.

O espetáculo que vi foi tão surreal para mim, que havia caído de paraquedas no meio da situação, quanto para os representantes da cena que apareciam na minha frente. Bem, o fato era que ali no meio da sala, congelei ao presenciar a interação do meu amigo com meu colega de quarto, tendo um momento, digamos que um tanto quanto íntimo.

O que me deixou espantado não foi ver a aproximação dos dois, e sim, saber que de alguma forma Guilherme se interessava pelo Yuri, aparentemente um interesse platônico, porque o Yuri, coitado, estava mais parecendo um ratinho encurralado entre a armadilha e o queijo.

Pior, eles não me perceberam, então tive que presenciar algo tanto quanto inusitado. Sem mais o que fazer, me restou apenas pigarrear para a minha presença ser notada no recinto.

O nerd com quem divido moradia ficou tão vermelho, que era até engraçado de ver. Já Guilherme, esse, carregar um sorriso predatório no rosto como quem dizia: “eu não fiz nada de errado, mas eu quero fazer”, o repreendendo com o olhar, me aproximei um pouco mais.

— Está fazendo o que aqui, Gui? — Soei desconfiado.

Ele nunca foi de vir aqui a essa hora… Não era nem sete da manhã. Era só o que me faltava, Guilherme agora está dando em cima do cara que mora comigo. Afinal, de onde eles se conhecem? Nunca apresentei os dois e não me lembro do meu amigo ter dito nada sobre o Yuri.

— Vim tomar um copo d’água. — Coçando a nuca, me respondeu. Em contrapartida, lhe apertei os olhos, não acreditando em nada.
Firmei os pés no chão e cruzei os braços em desafio.

— Então quer dizer que saiu da sua casa, lá no centro da cidade, para tomar uma água na minha? Aqui no campus da faculdade?

— Alex, assim você acaba me ofendendo. É claro que não. Vim aqui na biblioteca, mas acabei sentindo um pouco de sede e quis tomar uma água. — Sorriu, nervosamente.

Prestando atenção no meu colega de quarto, que estava encolhido no canto e que tremia, feito uma vara verde. Senti pena do menino. Realmente, parecia um camundongo indefeso.

— Tudo bem, Yuri? Você está com algum problema? — Chegando mais perto, lhe perguntei, olhando bem profundamente nos seus olhos, para ele vir entender o que eu estava falando. Afinal, o garoto parecia estar em outra órbita.

Ele fez entender que sim, mesmo eu achando que meu amigo tinha causado sérios problemas mentais no garoto.

Respirando fundo, me virei para Guilherme, o repreendendo.

 — Irei tomar um banho rápido, mas quando eu voltar, eu quero você sentado ali naquele sofá do mesmo jeito que deixei. Estamos entendidos? — Instalando a língua no céu da boca, deu uma de indignado. Nos olhamos fixamente, até que ele entendesse que estava falando muito sério.

Gui, eram assim, inexplicável. Ele era rico. Nasceu em berço de ouro, mas não se importava em se envolver com pessoas que eram de classe mais inferior que a dele. Estava bem com todo mundo, a maioria do tempo, principalmente com garotas. A nossa facilidade em ter uma quantidade maior de meninas ao nosso redor.

A família do louro é muito tradicional, tanto que está fazendo medicina igual ao pai e ao avô. Religião é bastante vívida no meio deles, mais por parte de sua mãe. Ele nunca teria coragem de contar que é gay. O Ruan sabe, por serem amigos de infância, no meu caso, descobri por que deu em cima de mim descaradamente. Ele diz que não se importa com o fato de sua família não aceitar, pois a convivência é respeitável entre eles e o mesmo acredita na Bíblia e sabe que é um ato condenado por Cristo. Em contrapartida, afirma que seja algo mais forte do que ele e que só responde ao chamado da natureza.

Respeito sua decisão, a vida é dele e faz o que bem entende dela, ele é uma das melhores pessoas que conheço da vida, sua lealdade muitas vezes me assusta. Afirma com todas as letras que daria a vida por aqueles que ama e não duvido nada disso, assim como Ruan também.

Estou aprendendo com eles, pois nunca tive amizades, principalmente quando meus pais morreram e restou somente vovó. Eles são pessoas por quem eu seria preso.

Falando nela enquanto meu amigo dirigia para a cafeteira mais próxima, digitei seu número e espero que consiga confortá-la, pois ontem, depois que cheguei, não deu para lhe ligar, como o esperado.

Você está vivo, glória a Deus! — Não gosto quando ela fica angustiada a ponto de suspirar em ouvir minha voz, pois sei que não fez outra coisa a não ser esperar minha ligação.

Claro que estou vó. A senhora comeu alguma coisa? — murmurei.

Como poderia sem nenhuma notícia sua?

Eu não gosto quando faz isso.

É mais forte que eu, meu filho!
Ouvi o silêncio.

Só liguei para saber como a senhora estava. — Uma grande mentira, sabia muito bem que a senhorinha estava extremamente preocupada com o meu sumiço repentino, mas estava chateado o suficiente com ela para não colocar o orgulho de parte. Não gosto de imaginá-la definhando, caso algo pior acontecesse, mesmo sabendo que comigo não seria diferente. Somos tudo que temos um do outro.

Tudo bem, não fique chateado comigo, vou fazer uma sopa de legumes. Me ligue quando desanuviar a mente, então conversamos melhor. — Complacente, tentou apaziguar.

Está bem, te amo.

Eu te amo mais. — Sem dizer mais nada, desligou.

Suspirando, guardei o aparelho, dando atenção para meu amigo novamente.

— Como ela está? — Ainda focado no caminho, perguntou.

Meus amigos não têm contato nenhum com vovó, eu estou falando com ela sempre que possível, eles se acostumaram com a voz da senhorinha e criaram um carinho por ela. Este, ao meu lado, sendo o mais sensível de nós três, está sempre perguntando pela mesma.

— Está bem, pirou um pouco por eu não ter avisado quando cheguei. — Vi meu amigo fazer uma careta com a minha declaração.

— Nossa, brabo!

— É. — decidir mudar de assunto.

O Céu Na Palma Da Mão [concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora