— Pegou tudo? Casaco, meias? Está levando cuecas o suficiente? A bolsa com os lanches está aí? Sinto que estou esquecendo algo…
A senhora à minha frente, quase tendo um piripaque, é minha avó. Se ela não fosse ficar extremamente chateada, estaria rindo da sua agitação, mas nem a própria pode negar ser muito engraçado o fato de estar mais nervosa do que eu.
Considerando que meus pais morreram em um avião, entendo sua reação ao estar colocando seu único neto no condutor que tirou sua filha.
Dona Carmem é sem sombra de dúvidas a mulher da minha vida. A pessoa com quem divido minha felicidade e tristeza desde sempre, ela estava comigo quando recebemos a trágica notícia, onde ninguém sobreviveu. Depois, foi assim: eu e ela contra o mundo.
Não queria me separar dela novamente, já foi um tormento no primeiro ano, que teve toda uma choradeira, quase não me deixou embaraçar e depois de três anos, mesmo eu afirmando esse ser o último, minha avó ainda fica toda paranoica e emotiva.
— Não se preocupe, vó, está tudo aqui, conferi antes de sair.
— Não é melhor ir de carro? — Me abraçando, apertou meu corpo. Aproveitei para sentir o seu e guardar a sensação. Lembrar dos braços gordinhos, da pele agora mais fina e macia, dos cabelos parcialmente brancos que emanavam uma essência floral, tal qual o corpo rechonchudo e pequeno.
— Vou ficar bem, vozinha. — Se afastando, confirmou afagando meu rosto, lançando um sorriso cálido na companhia de olhos acolhedores.
“Ultima chamada para o embarque” — a voz mecanizada soou ecoando nas paredes de vidro do terminal.
Deixando mais um abraço na senhora, me despedi dela.
— Você já tem 21 anos, responde por si, por favor, não cause problemas. Não temos dinheiro para te tirar da cadeia. — Foi uma ótima maneira de dizer “se cuida, Deus te abençoe!”. Sorrindo, confirmei.
— Te amo! — lhe beijei a testa.
— Eu te amo mais. — Suspirando profundamente, me soltou.
Perto do portão de embarque, me virei para lhe dar um último aceno. Eu não gosto de despedidas, vê-la com os olhos cheios deixa meu peito pesado, mas a teimosa sempre insiste em vir comigo.
Minha avó tem 76 anos e os problemas estão começando a aparecer. Recentemente descobrimos que ela tem hipertensão, então deixá-la é sempre angustiante, ainda que nos falemos quando possível. Também tem uma vizinha amiga, uma vivi na casa da outra, isso me deixa um pouco mais tranquilo, pois sei haver cuidado entre si.
Meu voo não é longo, no entanto, como um voo de três horas pode de repente atrasar seis? Pois, o crédito para isso foi todo da chuva. No meio do caminho, o avião foi forçando um pouso de emergência. Mudando tudo que havia planejado.
Estamos no final do amistoso, temos que ganhar mais dois jogos para alçarmos a tão sonhada taça. O treinador está determinado, não admitindo nenhuma falha, caso contrário nossas cabeças irão rolar no gramado ao invés da bola.
Com certeza, o motorista que me trouxe até o campo tenha me achado louco, mas o que poderia fazer? O único lugar possível que encontrei para trocar de roupa foi no seu banco de trás, nem se eu quisesse poder me dar o luxo de ir em um vestiário, três minutos de atraso seriam o suficiente.
Jogando a minha bolsa de viagem a qualquer modo na arquibancada, me pus ao lado do senhor de cabelos brancos que carregava consigo o seu fiel cronômetro com o maldito apito, que tem um parentesco muito próximo da corneta.
— Aproveita que está ofegante e faz… — Conferiu os ponteiros do seu Rolex dourado. — Cinquenta abdominais, cinquenta voltas no campo e cinquenta no Cone. — Apertei os olhos, lamentando. Que merda, não dá para dizer a vovó que cheguei. — Se eu fosse, você já estaria correndo.
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O Céu Na Palma Da Mão [concluído]
RomanceAtena Loyola que aos vinte e sete anos tinha o sonho de ser mãe, mesmo depois de ter passado por más experiências em relacionamentos fracassados, ainda assim decidiu realizar esse bendito sonho, nem que para isso tenha que fazer uma inseminação assi...