Capítulo 9 - Do outro lado da fenda vermelha

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Ele passou pela fenda e encontrou tudo o que esperava: sujeira, escuridão e, principalmente, o fedor da podridão queimando suas narinas. Logo, não teria mais olfato de tanto mal cheiro que era obrigado a sentir.

A vermelhidão daquele mundo ofuscava qualquer outra cor presente, transformando-as em tons mais claros ou escuros daquele mundo vermelho.

As árvores sem folhas aparentavam ausência de vida, no entanto, o fino líquido escuro que escorria pela madeira tinha cheiro metálico. Sangue. Ao se aproximar, reparou não ser madeira, mais sim, carne. Carne que se elevava para o alto e se dividia como galhos, enquanto a parte de baixo afundava no solo. O tronco expandia e comprimia como uma respiração.

Estão vivas, tomou cuidado com as raízes das árvores de carne ao avançar. Elas eram próximas uma da outra, mas com perfeito espaço para passar, no entanto, não identificou uma trilha ou coisa semelhante.

Quis gritar, mas temeu as criaturas que viriam atrás deles se o fizesse, incluindo as próprias árvores de carne. Olhou para o alto por um momento e notou que os galhos se moviam suavemente. Se eu pisar nas raízes... imaginou qual seria o resultado, mas não queria testar para ter certeza.

Não foi preciso gritar, pois os gritos da lontra ao longe indicaram onde ela estava. Correu na direção dos gritos, tomando cuidado para não pisar nas raízes das árvores de carne.

Assim que encontrou Patrícia, a lontra, ela deu um grito, apontando para frente. — Ela está lá — gritou.

Os gritos despertaram outros gritos no ar. Gritos esses que vieram do ar e do fundo da floresta de árvores de carne. Puta merda!

O caminho mais à frente onde Patrícia estava era aberto, se estendendo para longe e para baixo. Tudo era seco e úmido ao mesmo tempo — mas não de água, e sim, de sangue.

As pegadas na terra vermelha indicariam o caminho caso Patrícia fosse muito longe — e ela estava indo para muito longe. Seguindo alguém que apenas ela poderia ver.

— Mestra — ela gritou.

Os gritos que vieram do céu rasgaram o ar e desceram como pássaros até ela. CARALHO! Quis gritar, mas isso os atrairia para ela.

Patrícia era rápida em mover as mãos e lançar feitiços contra as criaturas voadoras, que eram tão grandes quanto uma pessoa, com asas finas e rosadas como pele sem pelos.

Ela não conseguirá sozinha, ele percebeu. Antes de chegar próximo dela, as criaturas voadoras o avistaram e sobrevoaram em direção a ele. As mãos agiram rápido. As runas brilharam no ar quando moveu as mãos. Sua mão ficou incandescente e o fogo foi expelido em direção às criaturas.

O cheiro de carne queimada encheu o ar quando o fogo banhou as criaturas e estas caíram no chão com as chamas consumindo o corpo. Nem todas foram incendiadas. As que não foram incendiadas, voaram para longe.

Teriam tempo para voltar ao portal e sair daquele mundo. Virou-se para Patrícia e descobriu-a correndo em direção ao campo aberto.

Porra!

Apesar do ligeiro sobrepeso, seu porte forte e atlético permitiu que chegasse até a lontra rapidamente. Segurou-a pelo braço com força para que ela não fugisse.

— Ela está aqui — protestou Patrícia em lágrimas.

— Ela está morta — Milo rosnou para ela. Estava furioso com teimosias. Levaria ela de volta nem que tivesse que adormece-la. — Não temos tempo para isso.

— Eu sei que ela...

Um grito feminino de dor cortou o ar e os dois ficaram calados imediatamente. Viraram-se na direção do grito que vinha um pouco além do campo aberto, não muito longe.

O grito se estendeu por um tempo, transformando-se em um grito grave até se tornar parte do ar. Os pelos dos dois Mammali se eriçaram de pavor. Os olhos arregalados. A barriga gelada.

— Isso é...?

— Um grito de morte.

Viraram para o lado do portal. Sombras cresceram do chão, encobrindo a visão que tinham do portal. Eram as árvores crescendo, se juntando. Alguns galhos caíram, outros se abriram. Primeiro, se separaram em duas regiões, formando dois círculos enormes um ao lado do outro, mas a certa distância. Depois, houve mais uma abertura um pouco abaixo no meio das duas primeiras. Enquanto se estendiam, uma quarta abertura se fez mais abaixo, maior que todas as outras anteriores.

Uma caveira. Era clara a forma e ela estava caminhando na direção deles, se arrastando como uma víbora.

— EU NÃO TENHO UM DIA DE PAZ NESSA MERDA — gritou o dente-de-sabre. Soltou Patrícia e moveu suas mãos rapidamente.

Luzes surgiram no ar e Milo as disparou para o alto bem distante de onde estavam, atraindo as criaturas voadoras para lá. A caveira de carne estava vindo rapidamente até eles, deslizando pela colina na descida, exibindo sua boca gigantesca cheia de dentes afiados.

Patrícia fez posição de luta e Milo andou para trás, ficando atrás dela. Moveu sua mão rapidamente na parte de trás da cabeça dela, desenhando a runa que a colocou para dormir. Antes que caísse no chão, ele desenhou um portal que os levou até próximo do portal vermelho que entraram.

Os portais que um mago criava com suas mãos e os portais que para outros mundos eram coisas totalmente diferentes de se fazer. Enquanto que o portal comum feito por mago só pode abrir para o mesmo mundo em que ele está, ou seja, como o estacionamento ficava literalmente em outro mundo, o máximo que poderia coloca-los era próximo do portal ao qual entraram. Já aquele portal vermelho que atravessaram para outro mundo era uma forma de invocação que rasga a realidade, o tempo e o espaço, permitindo que coisas entrem e saiam por ele.

Fechou rapidamente o portal que criou com sua magia, colocou a lontra adormecida em seus ombros e passou pelo portal vermelho gigante.

As pessoas ficaram com os olhos arregalados de surpresa e foram até ele. Entregou a lontra aos cuidados de um macho que poderia carrega-la.

— TEM UMA CRIATURA VINDO — anunciou com urgência. — VAMOS FECHAR RÁPIDO ESSE PORTAL.

Eles se reuniram apressadamente ao redor do portal. No entanto, precisariam estar nos três andares do quais o portal se estendia. Eles se dividiram entre os andares e desenharam rapidamente as runas nas paredes.

Em sincronia, moveram as mãos como se costurassem um tecido. O portal estava comprimindo, diminuído de tamanho a cada segundo.

Uma mão em carne viva surgiu do portal, em seguida, uma cabeça e, por fim, um grito. Os magos mais jovens ficaram paralisados ao verem tal criatura. O crânio encharcado de sangue, sem olhos, os dentes pontudos e afiados do tamanho de facas de cozinha. As mãos em carne viva eram alongados como pernas de pau e o grito de agonia da criatura era como a de uma pessoa sendo esmaga lentamente, sentindo cada osso de seu corpo se partir.

— NÃO PAREM — gritou o dente-de-sabre. — FOGO NA CRIATURA — ordenou.

Um dos magos lançou um feitiço incendiário na criatura, deixando-a em chamas. A criatura gritou em dor e agonia e voltou ao portal de onde tentava sair.

Outra criatura tentou sair, mas também sem sucesso. O portal foi se fechando lentamente até sobrar apenas uma rachadura na parede. Não havia luz vermelha de portal. Contudo, o coração de Milo ainda estava acelerado e suas mãos estavam prontas para qualquer imprevisto.

Houve palmas e urras de vitória. Alguns magos desenharam runas no ar e, logo, fizeram luzes no ar iluminarem o ambiente escuro.

O jovem graxaim chegou perto de Milo e falou que quando ficasse maior e mais experiente, gostaria de ser como ele.

— Boa sorte — foi o que disse.

— Como era lá? — quis saber o graxaim.

O dente-de-sabre bufou e saiu da fábrica rumo à caminhonete que estava na entrada.

— Quanto você querpara me levar de volta? — perguntou Milo ao motorista.

As aventuras do Dente-de-Sabre: Portas de outros mundosOnde histórias criam vida. Descubra agora