Capítulo 4 - Os rastros

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Voltou para buscar sua mochila na quitinete do javali gordo e entrou na caçamba da caminhonete que o graxaim dirigia com a onça-pintada macho ao lado. Guiou-os pela estrada, seguindo a direção do córrego.

A paisagem mudou rapidamente de prédios para casas e de casas para campos abertos que se estendiam até o horizonte.

De vez em quando, paravam para que Milo verificasse as marcas que a criatura deixou e não demorou muito para que encontrassem pedaços de carne à margem do córrego.

As marcas na lama indicavam serem recentes. As coisas aconteceram quando estava caminhando para a cidade, pensou o dente-de-sabre.

Seguiu as marcas por um tempo. Viu ao longe a casa no meio do campo aberto. Não era a mesma casa para a qual fez o serviço de fechar um portal. Mas não estava longe.

Pelas marcas dos esgotos e dos rastros na lama, era uma criatura grande. E ele seguiu os rastros até a casa. Os outros dois machos — o graxaim e a onça-pintada — o seguiram, mas muito atrás.

Próximo da casa, novas marcas apareceram. Milo as estudou e percebeu que eram marcas de luta. Manchas de sangue na lama batida, junto com retalhos de roupa e pelo. As manchas de sangue na lama levaram até a casa de madeira e tijolos.

Milo seguiu os rastros que iam para o fundo da casa e encontrou a porta dos fundos aberta. As pegadas de lama no chão de madeira levavam até a cozinha.

Sentiu o cheiro da comida cozinhando nas panelas e a senhora capivara cortando as verduras. Ela não se importou quando viu o dente-de-sabre entrando, apenas continuou cortando os alimentos. Os rastros de sangue seguiam até a cozinha e Milo se questionou se a capivara fora atacada.

Entrou na cozinha e pediu licença à senhora capivara. Não houve resposta dela. Entrou com cautela e sentou-se à mesa, onde observou os movimentos da senhora capivara. Ela repetiu sua ação algumas vezes e sequer se importou com a presença do visitante.

Por um instante, quando ela se virou para as panelas, conseguiu ver as costas dela e notou feridas em processo de cicatrização. Não sentiu-se confortável na presença da senhora. Levantou-se da cadeira e andou cauteloso, de costas, até a entrada da cozinha. Continuou observando a dona capivara.

Quando os outros dois machos o alcançaram, fez um sinal de mão para que entrassem com cautela. Eles tiraram as pistolas do coldre e entraram na casa na ponta dos pés. Observaram pela beirada do vão da entrada da cozinha e viram a senhora capivara cozinhando.

Os dois guardas entraram na cozinha e Milo os segurou.

— O que foi? É procedimento padrão — informou Joca.

— Não é ela — avisou Milo. — É a criatura.

— Não estamos...

— Está dentro dela — avisou o dente-de-sabre.

— Não é possível — falou o graxaim. Guardou sua arma no coldre e se aproximou da capivara.

A senhora capivara fazia as mesmas ações. A comida transbordou da panela e derramou no fogão. O fogo lambia a panela e a manchava com queimaduras escuras. Ela pegou mais condimentos quando os que tinha sobre a mesa acabaram.

O graxaim pegou na mão da capivara, que parou de fazer a comida. O guarda fez algumas perguntas, mas ela não respondeu. O corpo ficou trêmulo.

— Idiota! Saia daí — gritou o dente-de-sabre.

— Ela só está em choque — defendeu o graxaim. — Talvez se ela se sentar...

A lâmina da faca atravessou a garganta do graxaim de um lado a outro e foi puxada de volta. Sangue espirrou para todo lado quando a lâmina foi tirada do corpo. O chão da cozinha começou a ser pintada de vermelho com as facadas que o graxaim recebeu da capivara.

A onça-pintada apontou a pistola para a capivara e alvejou-a com disparos. Tanto a capivara quanto o graxaim caíram ao chão, pintando o chão de vermelho vivo.

Milo impediu a onça-pintada de se aproximar. O felino mais baixo estava com o coração acelerado, os olhos arregalados com o que testemunhara. Apesar de ser forte, o dente-de-sabre era mais.

Sabendo que apenas a força não o impediria de ir até o graxaim, moveu suas mãos e lançou cordas mágicas nos pés da onça-pintada, prendendo-o no lugar. Escutou palavras ofensivas sendo disparadas da boca de Joca enquanto ele próprio avançou até os corpos sem vida em frente ao fogão.

Moveu as mãos na direção dos corpos enquanto o guarda onça-pintada gritava para ser solto. Faíscas brilharam das pontas dos dedos e o fogo branco incendiou o corpo até se transformar em ossos enegrecidos pelas chamas. O chão ao redor do corpo ficou escuro. Joca gritou pedindo para que parasse, mas ele não parou. Tomou o cuidado para que o corpo do colega guarda não fosse queimado.

O guarda onça-pintada foi solto das amarras mágicas para chegar ao corpo de seu colega. Milo não era um mago médico. Ele não resolveria o problema das feridas que vazavam sangue como torneiras abertas.

O graxaim tremeu, afogando-se no próprio sangue, tossindo e sufocando. Ele não sabia se segurava na madeira para suportar a dor dos cortes, se pressionava os cortes para manter o sangue dentro do corpo ou se pressionava a garganta.

— Me ajude, porra — gritou a onça-pintada, mas já não havia mais nada a ser feito.

O canídeo ergueu a mão para o rosto da onça-pintada, manchando-o de sangue. Os olhos estavam opacos e a força desapareceu de seu corpo, deixando o braço cair e bater no chão de madeira da cozinha.

— Você não me ajudou — a onça-pintada foi até o dente-de-sabre, segurou-o pela gola da camisa e o empurrou para trás. — Ele poderia ser salvo.

— Eu sou um mago de portais, não um mago médico, cabeçudo.

— Mas poderia, ao menos, me ajudar — as lágrimas escorreram dos olhos da onça-pintada. — Deve ter alguma coisa que você possa fazer. Talvez, fechar as feridas para mantê-lo vivo.

— Já não há mais o que ser feito. Ele está morto.

Milo recebeu um soco no rosto, que o fez virar o rosto e a sua bochecha ficou dolorida. Ele empurrou a onça-pintada e a socou, fazendo-a cair ao chão.

— Eu avisei para não se aproximar e esse foi o resultado — apontou para o corpo sem vida do graxaim. — A escolha foi dele e agora está morto. O meu trabalho está feito.

Saiu da casa pela parte da frente e sentou-se na pequena varanda de entrada.

— Eu avisei o imbecil. Avisei! — socou o ar, amaldiçoando-se por não tê-lo impedido de forma mais eficaz.

As aventuras do Dente-de-Sabre: Portas de outros mundosOnde histórias criam vida. Descubra agora