Crisôncio perguntou a Milo se estava andando no mundo real ao menos três vezes e o dente-de-sabre lhe garantia que sim.
— Aqueles javalis — lembrou o canídeo. — Eles existiram mesmo, não existiram?
Milo ficou em silêncio por um instante e confirmou com um movimento de cabeça.
— Eram seus amigos?
O dente-de-sabre ficou em longo silêncio novamente conforme caminhavam pela ponte outra vez.
— Tinham me contratado para encontrar a criatura — explicou. — Mas nenhum dos três irmãos me escutava. Eram teimosos demais para dar conta dela.
— Que criatura era? É da dimensão Carnate, não é?
— Sim! É uma carnate. Consegue adivinhar o que aconteceu depois que ela pegou um dos irmãos, não consegue?
— Se multiplicou e se espalhou para os outros dois irmãos — complementou o lobo-guará. — Elas também têm uma categoria de classificação?
— Creio que uma hierarquia mas, para mim, são todas do mesmo tipo — continuou o dente-de-sabre. — Chegamos à chalana.
À primeira vista, viam apenas a estrada, no entanto, o dente-de-sabre contornou a ponte e desceu por uma trilha barrenta. Foi então que o lobo-guará viu as embarcações de rio ancoradas no cais pequeno de madeira.
— O que precisam, senhores? — falou uma ariranha macho para o dente-de-sabre. O cigarro em sua boca enchia o ar, mas nenhum deles se incomodou. O mammali tinha os pelos grisalhos pela idade, um macho de meia idade, com a pança arredondada, os braços ligeiramente musculosos pelos trabalhos braçais que fez em vida e o peitoral visivelmente flácido (mesmo por baixo do tecido da camisa regata suja de graxa) pela falta de realizar um esforço físico.
— Ir para o sul — falou o dente-de-sabre.
— A chalana para o sul acabou de sair — avisou a ariranha apontando a direção. — Nem está mais visível no horizonte.
— Saiu há quanto tempo? — quis saber o lobo-guará.
— Saber há quanto saiu fará ela voltar? — questionou com desdém. Andou até a amurada do cais, onde apoiou-se nos ombros pra observar o horizonte. — Voltem a falar comigo quando tiverem dinheiro.
— Bem, senhor, precisamos ir para o sul e acredito que nenhuma dessas duas chalanas tem um destino fixo — começou o lobo-guará, mas a ariranha não se moveu, ignorando tudo o que o canídeo falou. — Pagamos uma boa quantia se nos levar até lá — o silêncio foi a resposta. — Duzentas dunas e mais cinquenta dunas para a gasolina.
Milo andou até o lado da ariranha e colocou seu braço forte ao redor dos ombros dela.
— Me responda uma coisa: o quanto você é apegado a essas chalanas? — questionou o dente-de-sabre, o que fez a ariranha mover o olhar na direção dele. — Se eu toma-las de você, vai fazer o quê?
A ariranha soltou uma risada com o cigarro ainda na boca. — Está fazendo piada? Porque esta ficou uma merda.
— Não é piada.
A ariranha abanou a cabeça e ficou em silêncio por um momento. — Tem um posto policial aqui em cima, sabia?
— E você tem duas chalanas ilegais aqui embaixo — respondeu o felino. — Meu aprendiz ainda está sendo honesto em lhe pagar pelo serviço. Eu, por outro lado, não serei tão honesto assim. O que me diz: duzentas dunas e uma viagem, ou nenhuma duna e nenhuma chalana?
A ariranha rosnou de ódio e assentiu com a cabeça. Milo a soltou de seu braço e caminhou até uma das duas chalanas disponíveis. Os dois machos o seguiram e não demorou para que a embarcação deixasse o cais.
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As aventuras do Dente-de-Sabre: Portas de outros mundos
AdventureMilo, um mago dente-de-sabre forte - e gordinho -, recebe a tarefa de fechar portais estranhos que estão surgindo e, nesse tempo, encontra Crisôncio, um jovem lobo-guará animado em aprender as artes mágicas. Contudo, o maior trabalho do dente-de-sab...