Capítulo 2 - Bar

69 15 6
                                    

A estrada de terra transformou-se em uma estrada de lama depois da chuva. Não se deu ao trabalho de tirar o barro que se acumulou em suas botas. Um pedaço de pau que encontrou próximo à cerca da fazenda lhe seria útil para tirar a grossa camada de barro, por isso a guardou consigo.

Chegar à cidade levou cerca de uma hora e meia de caminhada. Suas pernas se acostumaram a caminhadas longas, tornando-se musculosas e firmes.

Os veículos barulhentos circulavam pelas ruas pavimentadas e elevavam ao ar o cheiro da poluição. Mesmo com todo o cheiro em meio aos prédios cinzentos com as tintas descascando, era fácil sentir o cheiro fétido da cerveja seca no concreto.

Encontrou um característico bar em que ele poderia pagar uma bebida. Sentou-se na cadeira de ferro que exibia os sinais do tempo pela ferrugem que descascava o ferro e o entortava.

A garçonete lontra veio atende-lo, com o sua estatura baixa, mas a barriga saliente — assim como a dele — por baixo do avental sujo. Pediu a ela uma garrafa de cerveja e um copo, que ela trouxe rapidamente. Anotou o pedido no pedaço de papel para saber a quantia e depois o deixou beber em paz.

Na lateral do bar, o calendário sujo de gordura e óleo de cozinha com as folhas amareladas cheio de marcações dos clientes acerca dos dias. O dia de hoje estava com uma marcação em vermelho, escrito "imposto" logo abaixo. Vinte e dois de fevereiro. O ano 1960 com os números bem grandes logo ao lado do mês.

O dono do bar, um javali gorducho e também vestindo um avental sujo foi até ele e sentou-se na cadeira ao lado.

— Já voltou da fazenda, dentuço? — falou o javali, soltando uma risada. — Pela quantia de cervejas que pediu, acredito que não tinha muita coisa a se fazer por lá.

— Só uma coisa nociva, nada muito complicado — o dente-de-sabre soltou um bufo.

— Deve ter se assustado com seus dentes — soltou uma risada.

— Se eu tivesse os seus dentes, me esforçaria menos — apontou para as presas do javali que se projetavam para cima nas laterais de sua boca. — É ainda mais feio que eu.

O javali pegou a garrafa de cerveja, levou à boca e tirou a tampa com uma mordida. Derramou um pouco da cerveja no copo, pegou-o e bebeu o líquido alcóolico. Depois cuspiu no copo, encheu-o com cerveja e entregou ao dente-de-sabre.

— Pensei que não fosse ser servido — falou o dente-de-sabre em deboche. Pegou o copo, levou-o à boca e bebeu.

O guarda onça-pintada sentou-se na outra cadeira da mesma mesa.

— Havia mesmo um portal na fazenda? — quis saber o guarda. A roupa suja indicava o conflito que tivera com um civil a pouco tempo.

— Um bem pequeno — falou o dente-de-sabre.

— Igual ao pagamento — informou o javali, rindo. Levantou-se e foi para o balcão dentro do bar. A barriga balançava a cada passo.

— As tetas dele são maiores que as da minha mãe — falou o guarda, o que tirou algumas risadas do dente-de-sabre. Pegou a garrafa de cerveja, colocou um pouco no copo vazio que estava sobre a mesa, pegou o copo e bebeu.

— Minha cerveja — protestou o dente-de-sabre.

— Tem alguma coisa no esgoto — falou o guarda.

— Ficou com medo de uma cobrinha no esgoto? — debochou o dente-de-sabre. Pegou seu copo de volta, serviu-se com um pouco de cerveja da garrafa e bebeu.

— Cobras não têm pernas de aranha — falou o guarda. — E também não são de cor roxa — pegou a garrafa e bebeu o líquido direto do bico. — Que coisas são essas?

— Se você conseguisse entender... — o dente-de-sabre pegou a garrafa de volta e bebeu a cerveja que sobrou. — Nem minha cerveja consegui beber em paz.

— Pode dar uma olhada nos esgotos?

Milo não respondeu. Lamentou por não ter aproveitado a sua cerveja. O guarda fez um sinal de mão para a garçonete e ela trouxe mais uma garrafa.

— Você sabe como me ganhar, Joca — o dente-de-sabre abriu a tampa da garrafa com os dentes atrás das presas que se estendiam para fora de sua boca e chegavam à altura da garganta. — Só tem um pequeno problema.

— Quantas garrafas você quer mais? — quis saber o guarda onça-pintada.

— Garrafas são boas, melhores ainda quando têm cerveja. Só que não é só disso que eu preciso, certo?

— O que você quer? Uma moça para ficar entre suas pernas?

— Cem dunas — falou o dente-de-sabre. — À vista — levou o bico da garrafa à boca e bebeu a cerveja.

Joca estendeu a mão lentamente até a garrafa que foi levada para longe dele pela mão de Milo. O dente-de-sabre disse que a garrafa de cerveja agora era dele uma vez que não teve a chance de beber a primeira garrafa.

Milo levantou-se da mesa, com a garrafa de cerveja em mão, e foi até o javali. — Josué — o dente-de-sabre chamou. — Ainda tem um quarto pra mim?

— Tá achando que aqui é a casa da sua mãe? — resmungou o javali. — Tá com quanto aí?

— Depende do quanto meu amigo ali pode pagar — apontou para o guarda e falou com a voz mais alta para que o macho sentado à mesa pudesse ouvir.

Joca se levantou da mesa e foi até Milo. — Eu não sabia que...

— Um quarto, uma bebida e um almoço — falou o dente-de-sabre para a onça-pintada. — Esse é o preço.

O javali soltou uma risada de deboche apontando para os outros dois.

— Vocês vão fazer o quê? Se comer no quarto? Não sabia que gostava de se engraçar com outros machos — falou o javali.

— Se eu gostasse, já teria enfiado minha rola no seu rabo gordo — levou o bico da garrafa à boca e bebeu mais um pouco de cerveja.

— Parece até uma bichona falando isso — falou o javali. — Você engole essa minha benga imensa aqui.

Os dois machos trocaram insultos até que Milo pediu a chave do quarto mais luxuoso da casa e Josué entregou-lhe uma chave.

— Bota na conta da onça — Milo apontou para Joca, que ficou pasmo.

— Não concordei em pagar nada — protestou o guarda.

— Mas alguém vai ter que pagar, amigo — falou o javali.

A onça-pintada e o javali ficaram discutindo no balcão, enquanto o dente-de-sabre para o corredor na lateral do balcão. Ao fundo do corredor, virou à esquerda e mais um corredor, só que este tinha portas na lateral direita e janelas de vidro na esquerda. Alguns dos vidros quebrados por delinquentes e sujos pela poluição e a preguiça.

O quarto tinha parte do teto faltando. Os vidros da janela suja estavam quebrados e Milo não viu sentido nas ripas de madeira pregadas a ela. A cama torta se desmontaria assim que deitasse nela, mas se preocuparia com isso depois.

Por agora, deixou sua mochila no quarto, trancou-o e voltou ao guarda onça-pintada.

— Se for só uma cobrinha, eu vou devorar sua bunda — murmurou o dente-de-sabre.

As aventuras do Dente-de-Sabre: Portas de outros mundosOnde histórias criam vida. Descubra agora