O guarda prometeu uma boa quantia em dunas caso encontrasse a criatura. Milo esperava que fosse apenas uma sucuri, pois assim poderia voltar para seu quarto, limpar-se e beber em paz.
Joca o guiou pelas ruas da cidade até chegar ao bueiro onde vários outros guardas rodeavam. Manchas de sangue na borda da entrada do bueiro.
Passaram pelos guardas que circulavam o bueiro. O dente-de-sabre conseguiu sentir o cheiro fétido dos restos da cidade. Desceram o bueiro pelos degraus de ferro colados às laterais. O ar fétido encheu os pulmões dos machos presentes.
Os guardas dentro do esgoto estavam com as lanternas acesas, iluminando as paredes cinzentas úmidas pela sujeira que a cidade expelia.
Manchas vermelhas brilhavam com a luz das lanternas e guiavam o caminho mais adentro dos esgotos.
— Não vimos portal algum nos esgotos — falou Joca, que o acompanhava. — Encontramos o braço aqui — ele apontou para um "X" marcado na parede na parte de baixo. — A perna ali — apontou para outro "X" não muito longe.
— Tem certeza de que não foi homicídio? — questionou o dente-de-sabre. — Isso está com aparência de...
O dente-de-sabre se interrompeu ao ver as marcas profundas nas paredes do corredor estreito. Escorregou os dedos pelas marcas e tinha em mente as criaturas que poderiam ter feito aquilo. Lembrar do portal que fechou na fazenda fez se questionar se a criatura não tivesse fugido antes. A chuva ajudou a esconder os rastros na terra lamacenta.
— Sabe o caminho que a criatura tomou ou só ficou batendo uma até eu chegar na cidade? — questionou o dente-de-sabre.
— Antes uma punheta do que um pau na boca — as palavras fizeram o dente-de-sabre virar-se bruscamente para ele e o encarar com firmeza. — Eu ouvi coisas das pessoas, mas não imaginei que fossem verdadeiras.
— Está ouvindo muitas besteiras — defendeu-se o dente-de-sabre.
— Se fossem mentiras, você teria negado imediatamente e não ficado em silêncio — continuou o guarda onça-pintada. — Você deixa enfiarem o membro lá dentro de você também ou só...
— Vai querer a minha ajuda ou só vai me encher a paciência? — as palavras saíram ríspidas da boca do dente-de-sabre.
— Então novamente confirmou que é verdade.
— Olha aqui, seu...
Um guarda graxaim, mais baixo que os dois machos felinos, os interrompeu e os guiou a um corredor diferente. A água suja entrou nos sapatos dos machos que entraram nos restos da cidade escondidos logo abaixo.
— Encontramos peças de roupa manchadas de sangue e rasgadas — anunciou antes de chegarem às roupas.
— Poderiam, ao menos, ter encontrado o corpo — reclamou o dente-de-sabre.
— Encontrou o seu macho, pelo menos? — brincou a onça-pintada.
— Mais uma piadinha dessa e vou te socar aqui mesmo — rosnou o dente-de-sabre.
— Então você dá mesmo a sua...
— Se as mocinhas terminaram de discutir a relação, encontramos a abertura — surgiu outro guarda. Ele os guiou pelo labiríntico esgoto.
O brilho roxo de uma abertura era tímido, mas visível. O que um portal estava fazendo ali? Quem o invocara? Tirou a medida da abertura e tinha o tamanho de sua mão, no entanto, não era o suficiente para uma criatura perigosa sair por ele. Talvez uma criatura pequena, mas mesmo assim não causaria um estrago desse tamanho.
— Afastem-se — ordenou Milo. Estendeu as mãos e fez movimentos com elas enquanto se concentrava nas runas.
Os dedos ficaram vermelhos pelo poder que tinha em mãos. Marcou as laterais da parede onde a abertura estava feita e a fechou como um tecido rasgado. A abertura fechou-se lentamente até o brilho roxo desaparecer e se tornar apenas uma rachadura na parede.
— Essas coisas não apareciam assim de qualquer jeito — falou a onça-pintada. — O que deu para elas aparecerem assim, mago?
— Não é o quê, mas quem — corrigiu o dente-de-sabre. — Portais não se abrem sozinhos.
— Então essa merda é de verdade? — falou o graxaim.
— Seria melhor se fossem apenas pesadelos — murmurou o dente-de-sabre.
— Têm relação com a fazenda?
— Eu espero que sim. Se não tiverem, então temos muito com o que nos preocupar. E, falando em preocupação, conseguiram reconhecer de quem são os pedaços espalhados pelo esgoto?
— Um adolescente e dois idosos — informou o graxaim.
— Identificaram algum dos corpos?
O graxaim ficou em silêncio e volta para trás para os outros guardas. Os dois machos investigaram as marcas nas paredes e as manchas de sangue.
— Como eu disse, a minha preocupação é quem abriu o portal — repetiu o dente-de-sabre. — Há quanto tempo descobriram esse portal?
— Descobrimos pela madrugada. O ataque aconteceu no período da noite, pelo estado dos restos que encontramos.
— Se aconteceu à noite, então a criatura não está longe — o dente-de-sabre passou o dedo na mancha de sangue da parede, moveu suas mãos e faíscas douradas brilharam de seus dedos. Mentalizou as runas e conseguiu ver uma trilha brilhante.
Milo seguiu a trilha que apenas ele podia ver e a onça-pintada o seguiu. Caminharam pelos corredores fétidos estreitos até verem uma luz ao longe dos corredores.
— Merda!
Correram até o fim do corredor até a saída que escorria a água suja para o córrego. Durante a corrida, notaram as marcas de garras nas paredes dos corredores e na saída do corredor do esgoto.
O córrego seguia para onde ele tinha vindo: a fazenda. Milo soltou um bufo forte de raiva. Não queria voltar para lá, mas com uma criatura à solta, a vida das pessoas estava em perigo.
— Puta que pariu — murmurou o dente-de-sabre. — Vou ter que correr atrás da criatura antes que ela mate alguém.
— Você sabe onde ela está, Milo?
— Onde vai conseguir mais carne, provavelmente — murmurou o dente-de-sabre, irritado. — E posso te dizer, sem sombra de dúvidas, que não vai ser em um açougue.
— Acha que temos quanto tempo, Milo?
— Nenhum! Onde estão os carros?
— Estão no pátio — informou a onça-pintada. — Seguiremos para que direção?
— A mesma da qual acabei de chegar — falou o dente-de-sabre e eles saíram dos esgotos. — Adoraria tomar um banho antes, mas não terei esse luxo hoje.
Coçou a cabeça, questionando quantas vidas mais a criatura pode ter tirado no tempo que os guardas ficaram investigando os esgotos.
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As aventuras do Dente-de-Sabre: Portas de outros mundos
AventuraMilo, um mago dente-de-sabre forte - e gordinho -, recebe a tarefa de fechar portais estranhos que estão surgindo e, nesse tempo, encontra Crisôncio, um jovem lobo-guará animado em aprender as artes mágicas. Contudo, o maior trabalho do dente-de-sab...