VII - Encontros e desencontros

26 5 10
                                    


Aspirou cuidadosamente o fumo para prolongar ao máximo a sensação de relaxamento. Era como se o tempo tivesse parado naquele instante. Os pulmões encheram-se, sentiu o sabor, o odor, os sentidos mergulhando no vício. Estava de olhos fechados, pelo que a visão se focava num ponto qualquer no seu interior que vibrava com o desejo satisfeito. Depois, expeliu o fumo ainda com mais cuidado, acalmando-se, compreendendo que o frenesim se ia embora com mais aquela expiração. Nada como um cigarro para lhe devolver clareza à mente confusa.

Finalmente, um pouco de nicotina na sua vida, suspirou Bulma.

Chichi tinha acabado de sair da Capsule Corporation e ela estava na sacada do seu quarto, a contemplar o bulício vespertino de West City, enquanto fumava o cigarro tantas vezes adiado. O maço de cigarros saía e entrava no bolso, tentando-a, escarnecendo dela, quase que o atirara pela janela numa ocasião. Mas sabia que, mais cedo ou mais tarde, conseguiria aqueles minutos de isolamento que lhe permitiriam saborear a sua solidão.

Estava sozinha e, se pensasse bem, talvez a culpa fosse somente dela. Ainda não digerira convenientemente a situação ou talvez não o viesse a fazer nunca, pois criara instintivamente uma barreira para impedir que se magoasse para além daquilo que acharia aceitável e suportável. Soltou mais uma baforada de fumo, pensando se não estaria magoada, se o facto de estar ali na sacada não era já um sinal de que tropeçara numa ferida aberta, mas depois ajuizou que não. Todas as decisões que tinha tomado serviram precisamente o propósito de protegê-la da estocada fatal que haveria de lhe destroçar o coração para sempre.

Chamara por Chichi e ela viera. De certo modo, ajudara-a. Mesmo que tenha parecido tão irredutível na sua teimosia e na sua crença de que a garotinha era filha de Vegeta, ficara um pouco aliviada por a amiga não ter detetado nenhum sinal evidente de que a bebê tinha sangue saiyajin. Era já um princípio...

O cigarro fumegava entre os seus dedos.

Um princípio de quê? Podia ser do regresso à normalidade, de uma reconciliação, da aceitação da sua nova realidade de mulher livre. Crispou os lábios, o rosto tornou-se rígido. Estava novamente sozinha. Não suportou essa ideia e afastou-a, cansada, puxando outra passa ao cigarro.

Chichi tinha-se ido embora, alegando que a viagem era longa e que Gohan ficara sozinho em casa. Deixara-a ir, agradecera-lhe a visita. Abraçara-a e chegara a parecer carente nesse gesto, mas precisava do calor de um abraço. Depois, Chichi chamara por Son Goten e o filho não estava em lado nenhum. Nem Trunks, pelo que estariam juntos, os dois pestinhas... Calcorrearam os corredores da Capsule Corporation, chamando pelos nomes dos miúdos. Quando o sumiço lhes parecera esquisito, Trunks e Goten tinham aparecido a correr, dos lados da sala gravitacional.

- O que estavam a fazer? – perguntara Bulma desconfiada.

- Estávamos... a treinar – explicara Trunks ofegante. Goten estava suado, com o polegar enfiado na boca, a olhar de baixo para cima.

- A treinar?

- São filhos de quem são, Bulma – rira-se Chichi. – Não é de estranhar que gostem de brincar... treinando!

Para quem massacrava o filho mais velho com livros desde que deixara as fraldas, aquela declaração fizera Bulma admirar-se. Mas depois sorrira. Trunks e Goten despediram-se atabalhoadamente, gaguejando algumas palavras e Chichi partira, por fim, de West City. Vira o aerocarro distanciar-se nos céus através de uma janela larga, ao lado de Trunks.

- Será melhor não voltares a utilizar a sala gravitacional sem a permissão do teu pai, Trunks-kun.

O filho olhara-a assustado.

Tempestade de PrimaveraOnde histórias criam vida. Descubra agora