Eu não tinha juntado a coragem necessária para sair do quarto.
— Celina.
Era a voz de Pria, então se ela estava ali Briana também estava e me senti morrer de vergonha.
Cobri a cabeça. — Vá embora.
— Ora, vamos... você desmaiou, qual o problema? Isso acontece.
— Acontece nada! Quem desmaia quando alguém se declara?
Briana sentou na cama, puxou o cobertor e me olhou bem de perto.
— Conheço uma pessoa...
— Para! — Acabei rindo.
— Certo, que tal sair desse quarto, já faz três dias e ainda precisamos de lobas para as tarefas e você não está imune só porque é companheira do Alfa. — Pria falou irritada e me senti envergonhada por elas pensarem que eu estava usando de um privilégio que nem sabia que tinha.
— Eu não...
— Ah, não seja idiota. — Briana ralhou. — Ela está brincando, claro que uma rainha dos lobos não precisa fazer nada para ajudar o grupo e pode, claro que pode ficar enfurnada no quarto esperando a comida chegar, mas é claro que sim.
Pria rosnou. — É sim, majestade, o que quer que façamos? Quer água quente para seu banho? Porque precisa de um, nossos narizes sangram!
Se tinha espaço para sentir mais vergonha, eu estava estocando. Então eu estava sendo uma folgada?
Sem soltar um pio, sentei na cama e olhei para elas, meu rosto queimando, eu não devia ser tão egoísta.
— Me desculpem, eu realmente não pensei...
— Ah, achou que é uma terra sem lei? — Pria mantinha o ar irritado, mas Briana parecia se divertir ao me ver encolher.
— Não, claro que não. É que eu...
— O que? Vai me dizer que está com vergonha e mais um monte de baboseira?
Não respondi, tudo o que eu dissesse agora não ajudaria em nada. Levantei sem sequer reclamar, em silêncio procurei por um vestido no baú que agora guardava meus pertences.
Elas tinham razão em me falar aquelas coisas, claro que eu devia estar ajudando com as tarefas.
Deveria estar caçando? Limpando a casa? Ajudando o Padre na vila?
Sem saber para onde ir me virei para elas. — O que... o que... — respirei fundo me sentindo a mais infeliz das criaturas. — O que eu preciso fazer? Só me digam que eu faço.
Por fim as duas começaram a rir e eu fiquei sem saber como reagir.
— Não precisa fazer nada. Nem temos tanto a fazer assim, as moradas só são limpas quando queremos e não interagimos com a vila dos Humanos a pedido do padre, sem contar que caçar é algo que nos diverte.
Irritada por entender que elas estavam me fazendo de idiota e frustrada a um nível que eu não conhecia olhei afiada para as duas, queria ter mais força para voar nelas, arrancar seus olhos brilhantes de diversão, quebrar seus dentes que não parava de aparecer de tanto que riam.
— Então porque, pelos deuses, me disseram aquilo sobre agir como rainha?
Pria deu de ombros. — Porque você é idiota, se tem uma coisa que funciona com você é aterrorizá-la sobre ser inútil.
Briana concordou alegremente. — Não tinha outra maneira de fazer você levantar dessa cama.
— Estão se divertindo as minhas custas. — Reclamei e as duas rosnaram, mas foi Pria que perdeu a paciência.
— Por toda a sabedoria da Mãe Terra, Celina. Estamos sim, então esbraveje, extrapole nos xingando de quantos palavrões souber! Exploda conosco aos gritos, reaja quando implicam com você, garota!
— Pra que? — Gritei, já sem conseguir me segurar. — Para vocês pularem em mim e arrancarem meu coração? Não é com isso que vivem a ameaçar os homens aqui?
— E se acontecer de brigarmos? — Pria interpelou. — E se acontecer de sairmos no tapa? Vai apanhar calada?
— Não! — Voltei a gritar. — Calada não, mas vou apanhar, acha que tenho forças para enfrentar vocês?
— Você tem! — Agora foi Briana que perdeu a paciência. — Mas só vai descobrir o quanto de força possui quando testar isso, quando liberar essa energia.
— Vocês bateriam em mim? — Perguntei incrédula, mas começava a sentir algo de dentro de mim, um tipo de divertimento estranho com essa conversa perigosa, emocionante e estranha.
Nunca tinha tido amigas, e essa realidade se abria lindamente a minha frente.
— Claro que sim! — Pria riu. — Porque não o faríamos? Lutar é algo maravilhoso para levar longe as frustrações.
— Deveria experimentar toda a liberdade que tem agora. Viveu reclusa, presa e mesmo liberta continua presa. Tem que reagir Celi.
— Mas como? Me ajudem, eu quero fazer as coisas como vocês, mas não é fácil.
— Primeiro tomando um banho. — Pria franziu o nariz. — Não é justo jogar sujo.
Quando entendi a frase com duplo sentido comecei a rir e elas também.
— Vamos tomar banho no lago? — Briana ofereceu, os olhos brilhando de expectativa. — Por favor?
Pelada no lago... Por todos os deuses, eu poderia?
— Vamos lá, você nos deve essa. Te alimentamos por três dias sem receber nada em troca, e essa será sua retribuição, tomar banho com a gente no lago. — Pria incentivou, o mesmo brilho nos olhos.
Senti um frêmito de alegria me inundar. — Eu queria muito, mas não sei nadar.
Meu braço quase foi arrancado quando Briana me puxou. — Então pronto, vamos te ensinar, venha.
Então fui arrastada. Havia tanta alegria no olhar das duas, que acabei sendo contagiada também.
A vila estava deserta, não havia uma viva alma e então imaginei que todos os licans, de uma única vez tinham saído em missão ou para caçar, ou para correr o lobo.
Éramos somente nós, o lago e a minha vontade imensa de brincar lá, tão livre quanto elas.
A emoção encheu meus olhos ao ponto de quase não enxergar o caminho. Eu estava cega pelas lágrimas e elas continuaram me puxando, alegremente, sem se importar ao me ver chorar.
Os lobos tinham uma selvageria na maneira de agir, mas eram maravilhosos, tinham deixado a vila vazia porque sabiam que era importante para mim, pois eu não teria coragem de estrear o lago com tantos olhos em cima. E isso era de uma delicadeza tamanha, que eu não sabia a quem agradecer.
Laican? Jena? Jef? Josh?
Todos os lobos. Não era um em um grupo, era um grupo por um.
— Obrigada. — Sussurrei para o ar, torcendo muito para que esse agradecimento chegasse a todos.
Esse era o símbolo maior da liberdade, algo que eu tinha pintado e sonhado.
Tinha sido a primeira mostra de alguém livre que eu tinha visto, e agora...
...Eu finalmente ia nadar nua no lago, ou aprender a nadar, mas era nua... e ainda por cima, no lago.
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Obrigada gente.
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Tratado dos Párias - Supremo Alfa.
FantasyCelina estava lutando para se encontrar. Após anos fechada em seu próprio mundo e dependente da droga que sua mãe lhe dava, ela estava determinada a recuperar os anos que perdeu, porém suas cicatrizes não lhe permitia ter esperanças no amor. Mas o...