Décimo nono capítulo

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Acordo em um lugar meio escuro. Alguém está falando algo ao meu lado, mas não entendo direito o que é. Ergo meu corpo, tentando me recuperar do desmaio, e aos poucos relembro da minha idiotice e de tudo que aconteceu.

Olho para o chão, vendo migalhas de pão e gotas de água. Viro um pouco o rosto e vejo um homem atrás das grades assim como eu, mas está gritando.

- Me deixem sair! - Ele grita, batendo nas barras que nos separam dos vampiros.

Forço minha vista e vejo que é o mesmo rapaz que estava na plataforma, de pé, junto de Enguerrand e Kanata.

- Quem é você? - Eu pergunto, a cabeça doendo.

- Resolveu acordar depois de dois dias?

- Dois dias?

Me apoio nos joelhos e levanto, já que essa declaração me despertou.

- Você estava no baile - Eu digo, tocando em seu ombro. - Na plataforma. Perto do rei. O que está fazendo aqui?

- Uns vampiros malditos me sequestraram como forma de chamar atenção do rei - Ele balança a cabeça, enfurecido. - Quem sabe se o meu primo Kanata tivesse vindo em meu lugar? aí sim eles teriam atenção. É o príncipe e sucessor, afinal de contas.

Fico olhando para ele, percebendo que isso foi obra de Wera, Lilith, e qualquer outro vampiro maldito que estivesse lá no castelo.

Por pensar nas malditas, vejo as duas entrando, e Lilitg olha para mim. Ela parece normal, e não ressentida. Cerro meus punhos, seu olhar não desvia nem mesmo quando está perto da cela.

- Você está livre, primo do príncipe. - Wera diz, um sorrisinho maligno em seus lábios, os olhos vermelhos demais.

- Meu nome é Paul. - Ele diz, arrumando seu cabelo cacheado.

- Não me importa seu nome, mortal. Sua vida não tem a validade que pensei e não vou manter mais um humano inútil aqui. - As frases são ditas com autoridade, mas Paul não vacila.

Lilith ainda está me olhando, e agora, com o silêncio, minha mente vaga e eu relembro do nosso beijo. Traí a todos que amava e amo, tudo isso por algo momentâneo e infeliz. Minha consciência não estava exatamente perfeita, mas eu poderia ter me afastado, poderia ter matado ela com a adaga escondida. Eu não fiz nada, porque sou uma imbecil com o sonho de ser uma caçadora reconhecida.

Wera abre a grade, Paul arruma seu terno, e antes que dê mais um passo, a maldita acerta seu rosto com as garras. Todas elas.

Cambaleio para trás e ponho a mão na frente da boca, assustada pela forma rápida que isso aconteceu. Ela o matou sem mais nem menos, quando o fez pensar que seria livre. Encaro seu corpo caído, sem espalhar sangue, mas sua pele vai assumindo um tom pálido.

- Se livrem disto - Wera dá um sinal breve para os vampiros atrás dela, como se estivesse mandando eles tirarem um monte de folhas do chão. A vampira me encara depois disso, o sorriso se amplia e eu realmente tenho medo agora, onde não posso me defender e minha adaga sumiu. - Ratinha! - Diz, como se estivesse cumprimentando uma conhecida. - Você conseguiu fugir por muito tempo... Conseguiu fugir até da emboscada que seu próprio amigo armou.

Ela entra na cela, eu recuo ainda mais, só parando quando sinto as costas contra a parede. A ruiva vem atrás dela, mas não suporto olhar a cara dessa maldita cúmplice.

- Você não costuma ser tão calada... - Wera gargalha, as garras ainda aparecendo. - Está com medo, ratinha?

Eu não respondo, então ela se cansa.

- Mate-a, Lilith! - Manda, dando espaço para a vampira atrás de si.

- A-agora? - Pergunta, Wera se irrita.

- E em que outro momento?

As garras de Lilitg surgem, e ela se aproxima devagar, hesitando. As mãos tremem e ela olha em meus olhos, como se quisesse dizer alguma coisa, mas eu estou com tanto ódio que nem me esforço para saber o que é. Meu coração está acelerado, pensando que realmente vou morrer dessa forma tão imbecil.

- Mais rápido, Lilith.

- E-eu... - A ruiva gagueja, ela para exatamente onde está e deixa as mãos junto do corpo, desistindo de chegar mais perto.

- Você não quer sua consciência pelo resto da vida imortal? - Questiona, fúria em seus olhos.

- Eu não posso! - Lilith diz, desespero em seu rosto.

Wera segura Lilith pela roupa com toda a sua força e amassa o tecido, deixando a vampira contra as barras.

- Você não pode matar uma humana? - A maldita questiona. - Sempre me obedece, Lilith, por que está vacilando agora?

- Nosso mestre a quer viva! - Argumenta, tentando afastar Wera de si.

- E você tem uma dívida comigo! - Lady Wera a solta. - Então, mate-a agora.

- Ela está desarmada, é injusto. - Tenta convencer a vampira, mas parece não haver jeito.

Lady Wera a encara com desprezo.

- Está morta para mim, Lilith. Faça o que fizer, jamais me procure de novo.

Wera se vira para mim e ergue seus braços para me alcançar e me matar. Quando começa a chegar mais perto, penso em mil coisas ao mesmo tempo, mas a principal delas é que irei morrer agora, depois de tanto fugir. Fecho meus olhos, me rendendo.

Não sinto nada e acho estranho o quanto demora, então ouço a voz da vampira.

- O que está fazendo? Me solte! - Ela manda, raiva na sua voz.

Abro os olhos, vejo que Lilith segura seus braços, os prendendo atrás do corpo da vampira.

- Sua ingrata, idiota - Wera continua se debatendo. - Depois de tudo que eu fiz para você, ainda fica do lado dessa humana?

A vampira se solta e acerta o rosto de Lilith com o cotovelo, eu pareço finalmente descongelar e vou para cima de Wera, batendo seu rosto contra as barras.

- Saia daqui! - A ruiva manda, me empurrando para fora enquanto Wera se vira. - Essa luta não é sua.

Eu a escuto e obedeço. Faço a loucura de pular da janela mais próxima para não precisar lutar com mais nenhum vampiro.

Meu corpo se choca contra a neve, doi apenas por um momento, mas ao menos eu consigo fugir. Me levanto o mais rápido que consigo e começo a correr.

Passei dois dias desacordada, sem saber o que acontecia ao meu redor, e quando acordo, vejo alguém morrer e quase sou morta também.

Me pergunto como seria minha vida se eu fosse mais uma moradora com a vida pacata em Donnell.

Com a perna dolorida, continuo a correr até estar fora dos muros, e quando finalmente o alcanço, me recosto no muro frio e apoio as mãos no joelho.

Estou com raiva, com dor. Estou triste e, acima de tudo, exausta.

Your Blood On My LipsOnde histórias criam vida. Descubra agora