Prólogo

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Eu morri.

Morri de forma dolorosa e horrenda, meu corpo havia sido atravessado por mais lanças do que minhas mãos poderiam contar. Lembrava-me de que era um dia muito quente, a areia abaixo de meus pés era escaldante e o único líquido sobre ela era os litros de sangue dos soldados.

Incluindo o meu, havia tanto sangue que perdi a consciência pouco depois, abaixo de mim, havia um rosto ferido, com cabelos curtos e uma grossa armadura esmagada. O rapaz me olhava de forma desesperada e meu nome sendo sussurrado por ele dolorosamente foi a última coisa que ouvi em vida.

Pensei ser o fim, mas quando abri os olhos novamente, não havia dor. Não havia calor e tão pouco o cheiro apodrecido do campo de batalha, havia apenas... Flores? Não, espere, era alguma espécie de perfume, doce e enjoativo, ele entrava por minhas narinas de forma tão intensa como se eu tivesse mergulhado em uma banheira dos perfumes mais adocicados já criados.

Vozes femininas chegaram aos meus ouvidos, risadas e algumas falavam bem alto, aonde eu estava?

Tentei me mover, mas a sensação foi estranha, como se movesse o corpo de outra pessoa. Toquei em minha cabeça, confuso, e minha mão era estranhamente pequena e macia. Abri os olhos devagar e a encarei, de fato, não havia nenhum calo como de costume, meus dedos eram longos e finos, as unhas limpas demais, tão suave como se nunca houvesse trabalhado em minha vida.

Meus olhos demoraram a entender todo o lugar, era um quarto, com tantos tons berrantes de vermelho, rosa e amarelo que cansava a vista. Muitas velas de cheiro forte, uma janela meio aberta para um final de tarde. Folhas de uma árvore muito florida que eu nunca havia visto entravam por ela, o próprio chão tinha algumas pétalas voando de um lado para o outro.

Tudo era demasiadamente delicado, doce, de uma forma que eu jamais havia visto.

O ranger de trilhos me alertou, ergui a cabeça e vi uma porta sanfona ser aberta por uma delicada moça que carregava uma bandeja. Sua estatura era pequena, com cabelos loiros tão longos que quase tocavam o chão e olhos bem redondos. Trajava um vestido que, apesar de cobrir todo o corpo, era completamente transparente e não deixava muito a esconder se não fosse pelas roupas íntimas minúsculas por baixo.

— Estávamos preocupados com você. — ela disse, entrando e se aproximando. — como está se sentindo? A chefa já cuidou de tudo, aquele desgraçado nunca mais vai usar aquele pinto podre na vida. 

Havia raiva em sua voz, mas eu não sabia o motivo. Quem era ela? Quem era a chefa e por que estavam preocupados comigo?

— Foi um escândalo, você tinha que ver! O Raul cortou o pintinho patético dele bem na frente de todo mundo, foi bem nojento. — ela sentou ao meu lado, falando sem parar para respirar. — a esposa daquele verme ainda apareceu por aqui e nós culpando pela safadeza do marido, dá pra acreditar!? Como se algum de nós quisesse dormir com aquele sapo feio!

As palavras chegavam rápido demais, mas infelizmente eu consegui entender: estava em um bordel, aquela moça era uma prostituta e eu...

Olhei para abaixo, minhas roupas tão transparentes quanto as dela, e um corpo estranhamente delicado para o guerreiro que eu costumava ser.

Eu também era um prostituto.

Puta merda.

Foi como levar uma bofetada, outra e mais outra, lembranças se derramaram em minha mente de forma tão intensa que me senti afogar. Apoiei as mãos na cama, prendendo a respiração enquanto a realidade me dava chicotadas.

Eu morri. Eu realmente morri... De novo! E havia voltado mais uma vez, por que isso nunca terminava? Essa já era minha quarta vida! Quantos anos eu tinha agora? Onde estava? Em que realidade, em que ano...

Minha quarta vida Onde histórias criam vida. Descubra agora