Os atalhos escasseavam-se com o cruzar lento da nossa caminhada, em sua maioria silenciosa, sem levar em conta as questões que precisei contestar àquele enfastiante ouriço desmemoriado, sobre este lugar e a forma inesperada que batera a cabeça; aqui elaborei uma justificativa que fizesse-lhe sentido, mas não revelando que o verdadeiro culpado fora eu.
Então enfim avistei minha pouco extensa construção. Suspirei uma última vez, restava apenas atravessar a pequena ponte sobre o córrego.
— Estamos quase chegando — comentei olhando para trás, onde Sonic, apoiado com ambos antebraços no vão, encarava a água. Sua expressão parecia tão absorta que precisei indagar, parando ao seu lado — O que está vendo? — notei Maria dar de ombros, também curiosa com o que o azulado vigilava.
— Eu sou parecido com você — tratava-se do seu próprio reflexo — É... lindo — revirei os olhos do seu maldito narcisismo. Foi quando entendi.
— Ele é bom com elogios, hum — Maria sorriu, só ignorei os dois e segui adiante.
— Espera — Sonic chamou, segurando-me por um dos braceletes dourados.
— O que quer agora? — virei-me, puxando rápido o pulso para longe dele.
— P-perdão se... falei algo estranho e o deixei desconfortável, só me surpreendi ao saber que somos da mesma espécie.
— Tanto faz, isso não importa — e quem está desconfortável aqui? Tudo que quero é meu conforto de casa e deixar de ouvir a voz dele por algumas horas, espairecer na tranquilidade que tinha antes disso tudo acontecer.
Abri a porta e deixei-o passar. Observava tudo ao redor com certa empolgação, caminhando pelo corredor da entrada, elogiando os quadros e fotografias que tenho da floresta. E chegando à sala, senti um alívio ao jogar-me no sofá. Mas esse instante de lazer quebrou com mais um falatório incessante.
— Você sempre morou sozinho?
— Uhum — resmunguei fechando os olhos e apoiando a cabeça no encosto.
— Aqui é bem isolado, deve receber poucas visitas, não é?
— Nunca tive visitas.
— Quer dizer que sou o primeiro?! — assenti sem mudar de posição — Muito obrigado por aceitar me receber, Shadow! Espero que possamos nos reaproximar e eu lembrar dos bons momentos que tivemos no passado — abri só um olho, ele sorria de novo e de novo, se alegrando tanto e tão fácil por causa de coisas bobas como essa, um completo fastio. Além de que, tais fantasiosos bons momentos, nunca sequer existiram.
De repente um baixo ronquido quebra o raro silêncio. Sonic massageia sua barriga, expressando uma angustiada face.
— Você fica aqui, vou cozinhar algo — sinceramente, toda essa confusão também deu-me bastante fome.
A cozinha fica interligada com a sala, separadas apenas pelo balcão onde costumo sobrepor os ingredientes. Desde que decidi morar aqui, resolvi expandir meus talentos, sem contar que Maria me ajudou e ensinou variadas receitas que aprendera com vovô Gerald. Ela não costuma comentar sobre o paradeiro dele, e apesar de estar ciente que trata-se do meu criador, fazê-la ter pensamentos deprimidos nunca será uma opção para mim, então se houver um dia em que esteja disposta a falar exatamente o que houve, continuarei aguardando-a.
Vejo Maria apoiar-se no balcão, ela gosta de sempre observar o que estou fazendo, vezes passando-me dicas do que poderia acrescentar. Começo a abrir as gavetas, pegando o pacote de arroz, uma panela, um pouco de sal; quando ouço outras a mais abrirem-se por nossas costas, na sala.
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𓆮 千loresta do esquecimento 𓆮
RomanceEsta misteriosa floresta guarda as almas que presenciei seus corpos partirem pelo rumo oculto do amanhã. Mas para mim, elas são tão perceptíveis quanto aqueles que nunca tiveram a angústia do próprio fim. Agora aos olhos dos demais, comparam-me a um...