— Acorda, Shadow! Shadow!! — a voz de Maria esperneava logo pela manhã. O Sol mal nascera, estava com tanta preguiça de levantar, mas a garota insistia — Shadow, vamos!
— Uhhh, o que aconteceu? — abri os olhos devagar, vendo o rosto entusiasmado da garota bem de perto, grandes íris brilhantes.
— É o Sonic, ele... — levantei de um salto e corri dali não querendo acreditar que era real o que ela me dissera. E ainda mostrava-se animada, como se fosse uma boa notícia, definitivamente não, de jeito nenhum.
Não sei como nem porquê, mas o enxerido ouriço, sem um pingo de contrição naquela sua carinha sorridente e angelical, abriu a maldita porta, a única que adverti-lhe para jamais sequer tentar cruzar sem meu consentimento prévio. Centenas de pôsteres que cobrem as paredes, pufes e mesas no seu formato, figure actions e pelúcias limitados, chaveiros, álbuns de figurinhas, camisas e meias, incluso os compridos travesseiros importados do Japão com desenhos em diversas posições possíveis. Não poderia existir um cômodo tão azul quanto aquele em todo o mundo. E agora, o original de carne e osso no meio de tudo aquilo, admirado, sem saber ao certo para qual direção olhar primeiro.
— V-você... é meu fã? — perguntou desajeitado quando me viu.
— Saia.
— O que? — empurrei a porta com certa força, ao ponto dela crepitar contra a parede. Abaixei a cabeça, fitando o chão de carpete com rings, não queria volver a analisar o tipo de expressão que estava fazendo.
— Fora! AGORA! — cruzou por mim, caminhando até o corredor, e ao ouvir a porta de entrada abrir e fechar rápido em seguida, suspirei, sentando ali mesmo, apoiando uma mão sobre a testa dolorida. Ele se foi.
— Me explica o que acabou de acontecer! — Maria abaixou-se do meu lado.
— Ugh, como diabos ele conseguiu a chave?!
— Não sei, quando cheguei já tinha entrado aqui, então fui te acordar. Mas Shadow, isso é o que menos importa agora! Você precisa ir atrás dele!
— Pra que?
— Para de ser tão infantil e enfrente seus problemas!
— Infantil? O que está sempre tirando sarro e fazendo piadinhas é esse faker azul idiota, mas eu sou o infantil?
— Infantil e hipócrita!! Se não gostasse dele não guardaria tantas lembranças como se fosse um fanático!
— Nunca ouviu o ditado de que você precisa conhecer melhor seu inimigo tanto quanto a palma da sua mão?
— Eu não acredito em uma palavra do que está dizendo, sabe disso, não sabe? — esboçou uma careta um tanto cínica.
De repente um feixe refulgente acompanhado de um alto estrondo atravessa o céu. Uma forte e grossa chuva desmorona sobre a floresta, os sapos iniciam seu trautear em conjunto da melodia da água, que escorre através dos galhos, transbordando o pequeno córrego. O clima frio de ontem a noite explica essa troca repentina de cenário natural.
— Vamos, ele não pode ter ido muito longe — levantei-me rumo à saída. Maria assentiu predisposta, levitando logo atrás, tentando acompanhar minha rapidez.
A grama escorregadia, as trovoadas, insistiria em seguir adiante não importando o quê, nada seria capaz de me impedir de encontrá-lo. Afligido, resvalando os tênis pelos caminhos mais estáveis até os mais íngremes, com dificuldade para ver claramente os arredores. Mas a garota não era afetada por todo esse cenário caótico, e foi graças a ela, que gritou apontando na direção onde o prófugo estava, pude retraçar meus passos.
— Aí está você! — segurei seu pulso.
— Sha... dow? — virou-se e arregalei o olhar, aquelas gotas escorrendo por seu rosto inchado e avermelhado não poderiam tratar-se somente de chuva, haviam lágrimas mescladas na água. Não o deixei contestar, puxando-o para longe dali:
— Vamos voltar para casa.
Quando chegamos, a chuva parecia haver aumentado sua intensidade. Retiramos os calçados e meias logo na entrada, tão ensopados quanto nossos espinhos, respingando por todo o piso. Poderia haver-me preocupado em secar a mim mesmo e a casa antes que tudo, mas acabei dando prioridade a ele, fazendo-o sentar-se no sofá, indo buscar uma veludada toalha para que absorvesse o quanto antes toda aquela água, ou já previa um resfriar.
— Aqui, pegue antes que sinta mais frio — alcancei o tecido, e em vez de segurá-lo, apegou-se a mim, apoiando sua cabeça na minha virilha. Não tive uma reação imediata e nisso o tremelicar em sua boca diminuiu, suspirando aliviado um leve vapor.
— Prefiro ser aquecido por você — sussurrou muito corado. Maria e eu nos entreolhamos surpresos, ela fez um sinal de "vai na fé", rangi os dentes, seguir seus conselhos em um momento como esse seria inconcebível, porém, agi passando a toalha por suas costas, cobrindo-as solícito — A-achei que tinha me expulsado porque... porque me odiava agora — droga, está quase chorando de novo.
— Eu nunca- — cocei a garganta — Está errado — apartei suas mãos e feição, sentando-me ao lado dele, que agora segurava as extremidades da toalha contra si, meio nervoso.
— Mas vou entender se estiver com raiva, a culpa é minha.
— Você precisa aprender a controlar essa sua curiosidade.
— Desculpa — abaixou o olhar. Acumulei toda a paciência que me era possível restar e apenas suspirei, mas se não estivesse naquele estado, teria, com certeza, golpeado sua cara.
— Como encontrou minhas chaves?
— Quando acordei, as vi em cima da cômoda. Se seu plano era escondê-las, escolheu um péssimo lugar, em- ai, ai, ai! Hahah — puxei sua orelha, fixando meu olhar embravecido no de Maria, que assobiou tocando ambos indicadores, fingindo que não era com ela — Mas me sinto aliviado em saber que ainda me quer por perto — ele esticou um braço, dividindo metade da toalha comigo, abrigando meus espinhos umedecidos e apoiando a cabeça no meu ombro.
— Sim... — vê-lo confortável era diferente, um diferente bom. Tanto que comecei a sentir seu peito se alentar, o que também surtiu efeito no meu. Já é o bastante — Vou fazer um chocolate quente e alguns bolinhos de chuva — levantei apressado.
— Oba! Eu quero!
— Enquanto isso, melhor você tomar um banho — ainda tinha impressão de que se resfriaria.
— Okey~
— E só pra constar, não sou seu fã — seu olhar verde e atento fixou-se no meu — Apenas um colecionador de coisas especiais — virei-me, procurando pelo açúcar.
— Quer dizer que, eu s-sou... especial para você? — travei, gritando:
— De onde tirou isso?! Especial no sentido de raro, tem ideia do quanto aqueles bonecos custaram? Agora pare de perder tempo.
— Sim! Já volto! — sorriu saltitando dali até o banheiro. Apoiei-me no balcão contraditado, também esboçando um pequeno sorriso, inconscientemente.
— Que expressão linda você está fazendo — insinuou Maria, encantada. Joguei o guardanapo na cara dela, mesmo sabendo que a atravessaria:
— Só fica quieta, tudo isso é culpa sua — a garota levantou o pano do chão, que levitou até mim, enquanto amostrava-se orgulhosa.
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𓆮 千loresta do esquecimento 𓆮
RomanceEsta misteriosa floresta guarda as almas que presenciei seus corpos partirem pelo rumo oculto do amanhã. Mas para mim, elas são tão perceptíveis quanto aqueles que nunca tiveram a angústia do próprio fim. Agora aos olhos dos demais, comparam-me a um...