Capítulo 3

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Passou toda a tarde jogado sobre a areia. Queria fugir de sua realidade e ali conseguira.

Por um instante, sabe-se lá quanto tempo foi, sentiu arrependimento por todas as besteiras que havia feito.

Nem todas, melhor dizendo; algumas serviriam como boas lembranças dali a um tempo.

Procurou forças para levantar seu corpo adormecido, passos lentos afundavam seus tênis nos grãos finos. Chegou àquela casa que há tanto não visitava. Previu que, ao abrir o portão, um senhor alto viria lhe receber e chamá-lo de 'grandão', como fazia.

Mas não houve nada disso.

Abriu a grande e pesada porta de carvalho, fazendo ecoar o mesmo rangido dos velhos tempos.

Aquela casa, vazia daquele jeito, trazia tanta melancolia...

Um aroma familiar evadiu suas narinas, levando-o à cozinha. Encontrou a mesma velha senhora baixa e rechonchuda cantarolando os mesmos velhos boleros. Apoiou-se no batente da porta, soltando um riso curto, o que despertou Victoria.

- Oh, Niall! – a senhora exclamou, deixando a colher que usava sobre a bancada da pia. – Quanto tempo! – foi de encontro a ele, que estendia os braços. – Como você cresceu! – o abraçou. – E como está magro! Não tem comido não?

- Também senti saudades, Vica. – o garoto disse ainda rindo.

- Sente! – ela disse ao soltá-lo, indicando uma das cadeiras da mesa em tabaco ao centro da espaçosa cozinha. – Estava fazendo suco de laranja pra pôr no bolo.

- Não quero incomodar. – ele disse, acomodando seu corpo sobre a cadeira.

- Que incomodar o quê, menino! – ela riu. Voltou-se para o forno, onde espetou uma garfada na massa do bolo. – Você é o dono da casa!

- Mas você quem está cozinhando! – ele retrucou. – Não precisa se preocupar comigo, eu como uma fruta. – e esticou-se um pouco, pegando uma maçã verde sobre a fruteira ali perto.

- Você vai comer a maçã e o bolo. – a senhora ordenou.

- Tudo bem, tudo bem. – ele riu, finalmente mordendo a maçã. – E onde tá o Jonsey?

- Em Manchester. – a governanta respondeu. Provou um pouco da massa. – A filha dele entrou em trabalho de parto logo no início da tarde, ele teve que ir correndo pra lá.

- Qual filha, a Livie?

- Isso. – pôs o tabuleiro quente sobre o centro da mesa. – Vocês dois costumavam brincar bastante, quando eram pequenos.

- É... – ele respondeu, rindo por dentro. Se Dona Vica soubesse quais eram as brincadeiras... – Faz tempo que não a vejo.

- Ela esteve aqui mês passado pra ver seus pais, mas você, como sempre, não veio. – a senhora sentou-se à mesa.

- Eu tenho preferido ficar em Londres mesmo.

- E o que te trouxe aqui, então? – olhou de forma desconfiada para Niall. – Andou aprontando, por acaso?

Mesmo depois de anos, ela ainda o conhecia bem. Victoria não perdia seu jeito peculiar.

- Foi nada demais. – ele mentiu.

- Eu te vi nascer, não tente me enganar. – ela disse em tom divertido. Riu mais uma vez, fazendo-o rir também. – O que houve, Nialler?

- Nem sei por que ainda tento.

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