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Eu tô pensando em você, fumando um cigarro

Numa banheira vazia, em um hotel caro

Sinceramente, eu tô cansado

Se foi você que errou, por que que eu me sinto culpado?

-- Sabíamos que você era o cara certo! – o produtor executivo sorriu orgulhoso enquanto estávamos sentados e falávamos do roteiro que ele me dera e eu fiz uma interpretação rápida com sotaque americano – E muito obrigado por aceitar o projeto conosco! Ainda mais hoje, que é a primeira vez que a escritora vem para acertar os detalhes oficiais com o roteirista! Tinham feito tudo online até agora, então é a primeira vez que ela vem e ela é extremamente exigente!

-- Me diz novamente porque ela é tão exigente, por favor?

-- Ela quer tudo o mais próximo dos livros o possível! – o homem de meia idade pressionou as têmporas me fazendo rir – Claro que queremos fazer a melhor adaptação possível, mas ela simplesmente disse que quer o mais fiel que for possível em transposição! O Jeff está enlouquecendo com o tanto que ela opina no roteiro!

-- Nossa – ri, observando a correria em volta – Ela deve ser realmente bem exigente para o Jeff estar enlouquecendo... Mas vocês ainda não disseram, de qual livro vocês estão adaptando. Porque o roteiro é bem parecido com o segundo livro da série "Olhos"...

-- Exatamente esse – o produtor riu nervoso – Mas é do primeiro. Nós estamos tentando organizar e o segundo livro foi o único que passou no crivo dela até agora, é um dos motivos para o desespero! Felizmente você aceitou fazer o serial killer, porque sinceramente, ninguém mais estava tendo uma interpretação boa o suficiente, segundo o Jeff, para o que ela está exigindo...

Tinha quase um ano que não nos víamos, eu ainda não sabia como iria reagir a ter Auty como minha chefe e supervisora, mas esperava conseguir algo funcional. Ela era extremamente profissional, disso eu não duvidava, mas eu também era. Ainda mais agora que a superara. Seria tranquilo.

-- Do jeito que está dizendo ela parece uma megera – Martha chegou sorrindo sarcástica – Ela não é uma megera Rob, ela só está bem decidida de como quer a adaptação dos livros dela, ainda mais que são um sucesso global.

-- Diga por você – o produtor riu, levantando-se da cadeira enquanto eu acendia um cigarro e ele olhava no celular, gritando em seguida – Ela chegou!

-- Como está? – minha agente questionou, pondo a mão de leve em meu ombro – Tem quase um ano já. Acha que aguenta essa? Não vai ser fácil, meu amigo...

-- Aguento – soltei o ar, com o máximo de calma possível, tirando o paletó e colocando-o no encosto da cadeira – Não pode ser o fim do mundo...

-- Você que diz...

Ela deu de ombros, mas eu estava tranquilo, sinceramente. Claramente havia aquele frio na boca do estomago pelo tempo que não nos víamos, não consegui me envolver seriamente com mais ninguém, meus casos se tornaram cada vez mais esporádicos, mas tínhamos um trabalho gigante em mãos. Auty ainda era uma das escritoras da atualidade que eu mais admirava, então ver aquela correria pela chegada dela era, no mínimo, emocionante.

-- A bruxa está aqui – Jeff puxou o ar com força, aparecendo do chão enquanto eu encarava-o confuso – Yearwood. Ela é uma megera...

-- Homens – Martha demonstrou sua decepção e ri, apesar de saber que está certa – É agora Joseph...

Eu conseguia. Seríamos profissionais e nada de errado aconteceria. Tudo funcionaria perfeitamente. Não conseguira responder o áudio. Não tivera coragem o suficiente, agora estava prestes a encará-la frente a frente, desde a ultima vez que nos vimos.

Eu conseguiria.

Ela acabou de sair do carro e as portas gigantes se abriram.

As pessoas corriam como formigas em volta dela, tampando minha visão da moça do sorriso mais bonito que eu já vira e cabelos escuros. Um dos seres humanos mais admiráveis que eu já conhecera... Ela olhou em minha direção e traguei tão profundamente que não quase engoli o cigarro.

Não, eu não ia conseguir...

Quando cheguei ao estúdio onde as montagens estavam ocorrendo, eu sabia que muitos ali me consideravam uma bruxa autoritária, mas eu queria que a essência dos meus livros não se perdesse, como acontecera com tantas adaptações ao longo dos anos de Hollywood. Queria que fosse o melhor que pudesse ser e, como ganhei o direito de supervisão do roteiro, analisaria tudo minuciosamente, independentemente das crises de covardia do roteirista. Aquela obra era minha, então seria uma adaptação ótima.

O problema foi quando o vi a distancia.


Aquele vespeiro de funcionários ao meu redor se tornara totalmente insignificante porque o cara que partira meu coração estava ali, como sempre com seu cigarro e toda aquela pose que eu tanto amava. Precisaria de toda a coragem que tinha para lidar com ele e com os idiotas que poderiam querer estragar meus livros...

Seria uma guerra quase impossível...

Após uma tarde de constrangimentos quase constantes devido à apresentações e discussões sobre roteiro e desenvolvimento de personagens, considerando que todos os atores praticamente já haviam sido escalados, e uma previa de roteiro, percebi que nunca havia imaginado que o papel principal do serial killer que eu criara há alguns anos caberia tão incrivelmente em Joseph. Ele tinha papeis sarcásticos, distintos, alguns até com um certo alívio cômico, então vê-lo transmutar sua atuação para algo tão sombrio, era até fascinante, mas eu me retive e não falei com ele mais do que o necessário, o que já havia sido o suficiente para me gerar aquela boca seca e as borboletas.

Achei que já havia passado por tudo isso, mas claramente ainda estava lá.

-- Posso entrar? – ouvi sua voz do lado externo da sala de roteiros, onde eu ainda estava após infinitas horas, analisando os últimos pontos que haviam sido acordados – Olá Auty...

-- Olá Joe – encarei-o pela primeira vez no dia assim que ele entrou, com a camisa branca aberta alguns botões e arfei involuntariamente, em seguida tentando manter a naturalidade – Fez um bom trabalho hoje...

-- Eu te amo – ele soltou repentinamente, me fazendo largar o bloco de papel que era o roteiro em minha mão e encará-lo com toda a confusão que eu tinha – Eu te amo e não vou conseguir gravar um seriado desse porte trabalhando com você todos os dias sem te dizer isso. Não vou conseguir te olhar todos os dias sem ter certeza de que você sabe o quanto eu te amo e como eu quero tentar ter a merda de um relacionamento intercontinental com você, independentemente de como seja...

Levantei-me, incrédula com o que havia acontecido, e parei de frente para ele, encarando-o, tentando digerir as informações que acabara de ouvir. Ele deu mais um passo, misturando sua respiração à minha e senti aquela mistura de aromas que eu tanto gostava.

Cigarro, perfume se esvaindo e o fato de ter passado o dia se deslocando de um lado para o outro, fazia com que o cheiro de sua pele se tornasse mais sobressalente...

Segurou meu rosto entre as mãos e me lembrei de nosso primeiro beijo. Nitidamente. E aquele era quase igual, mas melhor.

Infinitamente melhor.     

HOTEL CARO || joseph quinnOnde histórias criam vida. Descubra agora