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Perdão pela hora, gente. Não deu pra postar antes.

Lexa

"Não achei que fosse possível, mas sua namorada está ficando pior nos dardos com a prática", Anya diz, colocando outra cerveja à minha frente antes de se jogar na cadeira ao meu lado.

Já faz algumas horas que estamos no bar, e Anya se alterna entre atender os clientes e ficar conosco no fundo do salão. Levo um minuto para me dar conta de que não fiz uma careta quando disse "namorada". Clarke não é minha namorada. É minha...

Merda. Não tenho ideia do que ela é, mas "namorada" parece ao mesmo tempo exagerado e muito pouco. Clarke é mais que isso.

Ainda assim, não temos futuro. Temos? Não me permito pensar muito a respeito. Depois daquela noite diante da lareira, quando eu contei tudo, as coisas estão... ótimas. Prefiro mesmo nem pensar a respeito.

Eu não estava mentindo quando disse a Clarke que no Afeganistão tínhamos medo de atrair coisas ruins se pensássemos nelas. Agora, tenho ainda mais medo de dar sopa pro azar falando das coisas boas com Clarke.

E é bom. Tudo. O sexo, a conversa, correr juntas. Adoro até o jeito todo especial como ela dorme abraçadinho, desde que seus membros não atinjam partes vitais do meu corpo. Clarke é tudo pra mim.

Mas não falo a respeito. Não posso.

"Argh, você está viajando, né?", Anya diz, tomando um gole da minha cerveja. "Tem ideia do quanto mudou desde aquela primeira noite em que entrou no bar e comprou briga com um bando de moleques bêbados. Não vai me voltar atrás agora."

Envolvida com os dardos, Clarke solta um resmungo ultrajado, e eu balanço a cabeça ao constatar que, apesar das instruções que Darcy "Dardos" Martinez cuidadosamente passou para ela, Anya está certa. Clarke está, de fato, piorando.

Mas também está se divertindo. E, surpreendentemente, eu também.

"Muito melhor", Anya diz, fazendo um sinal de positivo em direção ao meu sorriso. "Você faz isso sempre que olha pra ela, sabia? Sorri."

Afasto sua mão. "Para com isso."

Anya volta a cair na cadeira. "É que é tão romântico. Um anjo lindo interferindo pra salvar uma mulher desprezível e mal-humorada, com potencial de ser uma assassina reclusa."

"E feia. Não esquece", digo, sem me importar.

"Não", Anya diz, assentindo em agradecimento quando um dos funcionários traz uma cuba libre pra ela. "Você era bonita demais antes. Ficava até difícil comer com toda aquela perfeição por perto. Me deixava enjoada. Agora você tem personalidade. Ficou bem em você."

"Você está dando em cima de mim, Any?"

"Hoje, não. Mas tenho que admitir que fantasiei algumas vezes que você apareceria depois de todos esses anos, ficaria estupefata com a minha beleza e perceberia que eu sempre tinha sido a garota certa pra você."

"É?", pergunto, olhando desconfiada pra ela. Anya sempre teve esse jeito meio desconcertante de falar, sua voz bem doce e sincera, então você se deixava levar e depois descobria que ela estava brincando com você o tempo todo.

"Mais ou menos", ela responde com um sorriso rápido.

"Vamos apenas dizer que desisti dessa fantasia alguns meses depois que seu pai comprou a casa que vocês costumavam alugar no verão. Eu esperava que você aparecesse no Frenchy's ou na minha casa. Mas nunca aconteceu. Você nem ligou."

Faço uma careta. "Desculpa."

Isso não parece o bastante. Ela era uma boa amiga, e eu a deixei de fora como fiz com todo mundo. Não sei como dizer o quanto estava perdida — a essa altura, tudo o que eu disser vai parecer uma desculpa. Não consigo explicar o que mudou.

Não tenho ideia de como contar a alguém, até mesmo a uma amiga próxima como Anya, que centenas de consultas com o psiquiatra não conseguiram me atingir da mesma forma que o toque e o sorriso de Clarke.

"Desculpa", repito.

Anya toca minha mão por um instante. "Tudo bem", ela diz. "Prefiro dizer que é bom te ver e deixar por isso mesmo."

Sorrio, agradecida. Não apenas por sua compreensão, mas pela maneira como inclui tanto eu quanto Clarke em seu círculo social. Pela primeira vez em anos, tenho amigos. São só alguns caras com quem saio para tomar uma cerveja, não estamos próximos nem nada, mas eles me conhecem de antes de eu ser uma cretina total e parecem não se importar com o fato de eu já não ser mais tão bonita quanto antes.

Clarke volta para nossa mesa, radiante porque um dardo acertou o alvo. Por pouco.

"Acho que estou melhorando!", ela diz, animada.

"Não está", Anya diz, tomando um gole do drinque. "É a quarta vez esta semana, e você literalmente não melhorou em nada. É impressionante, na verdade."

Clarke franze o nariz para Anya e dá um gole no vinho. "Não me faça levar meu jogo para outro lugar, onde os funcionários de fato apoiam minhas habilidades esportivas."

Anya levanta um dedo. "Primeiro: dardo não é um esporte. Segundo: se conseguir encontrar outro bar aberto fora da temporada que sirva um vinho tão bom quanto o meu, fica à vontade."

"É verdade", digo, apontando com a cabeça para Anya. "Aqui a vida noturna não é muito vibrante no inverno."

"A gente devia ir pra Portland", Clarke diz, se inclinando animada para a frente.

"É!", diz Anya, ao mesmo tempo que eu digo: "Nem fodendo". As duas viram pra me olhar. "Por que não?"

"Em primeiro lugar, você já foi a Portland?", pergunto a Clarke. "Não é exatamente o Village."

Anya revira os olhos. "Para de tentar fazer com que pareça um lugar minúsculo. Não estou dizendo que vai ter uma série de pontos turísticos, mas tem alguns wine bars bem bons, além de restaurantes que servem alguma coisa além de anéis de cebola."

"Não." Minha voz sai um pouco mais cortante do que era minha intenção. As duas se olham como quem diz "que porra é essa?".

Será que não entendem? Vir ao Frenchy's é uma coisa. Aqui, as pessoas conhecem minha história; sabem o que esperar. Noventa e nove por cento dos clientes vivem aqui, o que significa que todos já deram uma bela olhada no meu rosto. A não ser pelo bêbado ocasional me encarando, ninguém mais parece notar quando eu entro.

Mas sair de Bar Harbor... Eu estaria pedindo para as pessoas apontarem e encararem. Estaria convidando abertamente a fazerem perguntas, sentirem pena e aversão.

Pior que isso, as pessoas iriam se perguntar o que alguém como Clarke está fazendo com alguém como eu. Ela é maravilhosa, estonteante. Sou no mínimo desfigurada, um monstro, na realidade. Só porque finalmente estou em paz comigo mesma não quer dizer que os outros vão estar. A última coisa que quero agora é que Clarke se confronte com uma amostra de como seria a vida real com alguém como eu. As

coisas estão indo bem sem isso.

Não posso arriscar. Não vou.

E, lá no fundo, sei que quando ela se der conta de que o resto do mundo não vai aceitar sua Frankenstein particular com tanta facilidade, vai querer mais. Clarke acha que se importa comigo, e eu sei que é verdade. Mas, eventualmente, vai querer ter uma vida normal. Com viagens espontâneas para Las Vegas, cruzeiros de inverno, jantares comemorativos. Não posso oferecer nada do tipo.

O futuro dela envolve festas glamorosas nos Hamptons. O meu envolve solidão em bares no fim do mundo, como o Frenchy's.

Anya me distrai dos meus pensamentos com um ruído de irritação e corre para o bar, onde o novo atendente limpa de qualquer jeito a cerveja que derramou por todo lado.

Clarke vira para mim, com o mesmo sorriso fácil e apaixonado da semana toda. Ela me puxa para um beijinho, e eu deixo. Mas então aprofundo o beijo, em parte por desejo, mas principalmente por desespero. Sei que, em algum momento, ela vai embora, e pretendo fazer tudo em meu poder para atrasar isso.

Porque, depois que ela se mandar, vou ficar pior do que antes.

Não vou ser só problemática.

Vou estar vazia.

...

Lexa, essa mulher te ama, reage

Em PedaçosOnde histórias criam vida. Descubra agora