Ériton subiu as escadas, descansou na sala, ligou a televisão, foi na cozinha e pegou bolo. Como ele gostava de fazer essas coisas! Podia passar duzentos anos que ele ainda sentiria falta. E olha que ainda não tinha passado um mês.
A mãe estava na janela do quarto dela e o viu chegar. O abraçou mal ele passou pela porta, perguntou como ele estava, onde tinha passado a noite, e mais uma infinidade de coisas. Nada novo, nada diferente de quando ele chegava em casa ao meio-dia depois de virar a noite na farra.
Ériton era bom em desviar das perguntas ou até mentir quando necessário. Ele não achava tão errado, era apenas uma forma de evitar conflitos. Quando a discussão ficava feia, ele se trancava no quarto ou saía de casa para esperar os ânimos se aquietarem. E agora, se alguém enchesse o saco, ele poderia simplesmente ir embora.
Depois das perguntas costumeiras, a mãe veio com uma nova:
— Quem era aquele rapaz que te trouxe? Aquele do carro branco.
Ériton segurou o bolo na boca alguns segundos a mais que o necessário.
— Ah, é o Rick. É meu amigo. Muito, muito amigo.
— Ah... e ele faz o que da vida?
— É advogado. Ele é mais velho do que eu, tem emprego, apartamento e tudo.
— Foi ele quem mandou aquela moto de brinquedo no seu aniversário?
Ériton ficou surpreso. Ele achava que já tinham esquecido daquele presentinho. Ele tinha levado na mudança e colocado no fundo do armário de roupas. Quando tivesse uma cama, uma mesinha decente no quarto, ele o colocaria lá, bem à vista.
— É uma miniatura, não um brinquedo. E sim, foi ele. A gente se conheceu no Carnaval.
— Hm... — A mãe fechou a cara. — Eu lembro disso.
Ériton manteve os olhos na TV, tal como estavam antes. Não tinha que dar explicações, tinha? Um dia ele faria isso, quando estivesse mais calmo e menos inseguro.
— Você dormiu na casa dele?
— Foi. — Era mentira, mas já tinha acontecido antes, então...
— Hm... — Ela desfez o mau humor e voltou ao tom de antes. — É bom mesmo você arrumar umas companhias que preste. O Paulinho tá muito bandoleiro, e aquele emprego dele não é um emprego de verdade. Mas por que vocês demoraram no carro?
— A gente só ficou conversando um pouco.
Assistindo desenhos animados, Ériton suou. A mãe, provavelmente, não tinha engolido aquelas respostas genéricas, ainda mais depois dos rumores que tinham corrido. Mas ele não estava disposto a falar sobre isso. Não naquele momento. Ele só queria ficar ali, sem fazer nada, para depois voltar pra sua própria casa.
Sim, ele tinha saudades, mas não tinha arrependimentos. Crescer é difícil, ele sabia, mas para continuar vivendo com os pais depois de adulto ele teria que sempre se adaptar à vontade deles, se limitar aos limites deles, e aceitar as imposições deles. Ele os amava, mas queria seguir seu próprio caminho. Mesmo as irmãs, maravilhosos "bons exemplos" aos olhos dos pais, estavam fazendo isso. Se seu caminho incluísse namorar o Rick, ou sair com outros caras, ou passar noites trabalhando em festas, ele poderia fazer isso sem ter que se limitar.
Ériton descansou por duas ou três horas, ouviu e falou familiaridades, comeu e encheu sacolas para levar, porque a mãe insistiu, e então foi embora feliz. Ele não precisava de muito. Na pequena casinha amarela, ele lavou a roupa cantarolando, se lembrou de aplicar o creme no rosto, que ele sempre esquecia, e então tomou um banho demorado, se vestiu e seguiu para a pousada onde o Rick estava. Passava um pouco das sete da noite quando ele chegou.
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Como nasce um coração
Lãng mạnDevido a um acidente, Ériton trocou toda a farra de Carnaval por uma tranquila festa à fantasia.