Há pessoas quem não gostam do Carnaval, mas amam o feriado. E, por incrível que pareça, existem os que desgostam até mesmo do feriado. Para os primeiros, não faltam opções para preencher o tempo. Não fazer nada é uma das mais escolhidas.
Para Rick, o Carnaval tinha, pelo menos, três dias de trabalho. Ele fazia parte daquele grupo especial, restrito, que considera cinco dias à toa um grande desperdício. Ele aproveitou a segunda e terça-feira para acelerar seus processos e petições. Porém, ele tinha cedido à pressão de uns amigos e comparecido a uma festa à fantasia no sábado. E agora estava ali cansado, pensativo, distraído.
É incrível o que somos capazes de fazer para nos encaixar. Rick se levantou pela quarta vez na mesma hora. Pegou água. Jogou fora a que já estava em temperatura ambiente. Limpou o círculo milhado deixado pelo corpo.
Ir a uma festa vestido de palhaço, literalmente, só porque os amigos vão.
Tentando ler um processo, Rick se encostou na cadeira confortável. Fechou os olhos. Nos últimos três dias, desfilava uma escola de samba dentro de sua cabeça, com uma bateria interminável. Ele mal dormira desde aquela festa. Se não fosse pelos compromissos que ele mesmo tinha marcado, ele estaria deitado naquele exato momento, como um brasileiro normal que não curte a farra do Carnaval, mas que aproveita bem o feriado.
Tinha começado com uma pequena reunião de amigos e ex-colegas de faculdade, e encerrado num "Baile de Máscaras" no Estrela Cadente, uma boate brega em frente ao mar, bastante retirada da cidade.
Rick prometeu a si mesmo não ceder a essas pressões no ano seguinte. Não que estivesse arrependido. Na verdade, no fim das contas...
Ele estava sorrindo quando o celular avisou das mensagens da irmã. O pegou já imaginando o motivo do contato.
"Eu soube que o senhor foi visto numa festa a fantasia no 'Estrela Decadente'. Que entidade entrou no corpo do meu irmão chique e distinto que não se mistura com essa gentalha?"
"Eu fui. Mas não espalha rs"
"Se identifique aqui nessa foto." Ela se esqueceu de compartilhar a foto. "Gente, que fantasias são essas? Não dá para identificar ninguém."
"A intenção era essa mesmo. Dizem que originalmente seria um baile de máscaras, que eles se inspiraram no carnaval veneziano. Depois virou essa salada. Não sei de quem foi a ideia."
"Foi de alguém que queria beijar alguém do mesmo gênero e depois dizer que foi engano. Era uma mulher???? Mas o pé parecia tão grande... Sem contar o risco que se corre de flertar com uma princesa e acabar num canto escuro atracado com satanás. Você beijou alguém, pelo menos?"
"Só um, e já no fim da festa"
"Um homem?"
"Sim"
"Mas não era o senhor que não ia mais atrás de macho?"
"Foi só um beijo, e eu não fui atrás."
Bem... foi bem mais que um beijo, e ele foi atrás sim.
Mas não espalha rs.
"Um só?"
"Foi o suficiente. Estava todo mundo de rosto coberto, e eu não quis correr o risco de pegar o satanás que você mencionou."
"Mas quem é você nessa foto?"
Dessa vez ela se lembrou de anexar a imagem.
Rick se identificou no canto, mas demorou a fazer isso. Sua cabeça se distraiu procurando outra fantasia. Uma mais sensual, digamos assim. Uma sereia. Ele não queria admitir, mas aquela fantasia era responsável por sua dor de cabeça recente.
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Como nasce um coração
RomanceDevido a um acidente, Ériton trocou toda a farra de Carnaval por uma tranquila festa à fantasia.