Capítulo 14

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Quase todos os dias, Rick acompanhava o que Ériton publicava em suas redes sociais. Era um movimento quase involuntário: ele pegava o celular em seus momentos de bobeira, abria os aplicativos e ficava olhando. Na maioria das vezes ele só observava mesmo, e não tomava nenhuma iniciativa.

Às vezes ele parava e tentava entender por que razão fazia isso se não o procurava tanto fora do meio virtual. E chegava à conclusão de que o que ele procurava era desculpas. Era como se estivesse buscando motivos que justificassem seu afastamento. Algo como "viu? eu estava certo". Mas as redes sociais de Ériton eram aquilo que ele tinha visto no começo, logo depois do Carnaval: rasas e genéricas. Não era possível saber nada dele por ali, nem bom nem ruim. Só se via que ele era mais ou menos engraçado e que desviava dos assuntos polêmicos.

Mas Rick o conhecia. Se lembrava de cada detalhe dele, e mesmo querendo às vezes, não conseguia esquecê-lo. A música que ele cantava embaixo do chuveiro, errando toda a letra, Rick nunca mais cantou do jeito certo. Era como se fosse uma música dele.

Pelas redes, Rick soube quando Ériton atualizou suas fotos revelando o que só quem o conhecia pessoalmente sabia. "Aceitando minha nova cara", era a legenda de uma sequência de fotos na qual ele começava cobrindo o lado ferido com a mão e revelando aos poucos nas fotos seguintes. Ele inteiro na última, sorrindo lindo. Rick achou o simbolismo muito profundo.

De repente Rick sentiu uma vontade imensa de abraçá-lo, de ser próximo, de participar. Ele sabia como Ériton era sensível, inseguro em relação ao rosto, à aparência. Imaginava como ele teria se sentido ao finalmente se mostrar para o mundo sem filtros ou acessórios.

Rick se surpreendeu também com o fato de Ériton já estar morando sozinho, longe dos pais. Ele tinha dito que estava se mudando, mas Rick não imaginava que fosse ser tão rápido. Como eles trocavam mensagens esporádicas, na próxima oportunidade, ele entrou no assunto.

"Você já se mudou? Tá rápido!"

"Pois ée. No mesmo dia que paguei o aluguel eu já trouxe minhas tralha. Era pouca coisa mesmo."

"Está precisando de alguma coisa?"

"De uma máquina de lavar kkkkk. Tô brincando. Tá tudo de boas aqui. O basicão eu tenho."

"Onde é?"

Ériton explicou.

"Vem aqui. Só não repara na bagunça. A casinha é simples bem pobre mesmo kkkk o colchão fica no chão"

"É bom que não quebra a cama"

"Eitaaaa!! Verdade kkkkk"

"Tudo certo para quinta-feira?" Se pudesse, Rick teria ido na segunda mesmo. Mas ele não podia.

"Claro. Não vou te convidar pra janta porque não dá kkkk Não sei fazer nada e tá faltando lugar pra sentar."

"Não se preocupe. Você vai ter oportunidade de me mostrar seus dotes culinários."

"Dotes kkkkk eu mostro"

"E eu quero rs"

....

Era terça-feira ainda. Ériton sorria sozinho lembrando da tarde de sábado e a festinha particular na pousada mais chique da cidade. Naquela noite, ele assistira ao show de muito longe. Tinha avisado ao Paco que não iria pra camarote de jeito nenhum. Uma água lá custava um rim, e ele estava precisando de todos os órgãos disponíveis. Vira pelo telão o rosto do cantor famoso e rido com o escândalo que um grupinho de mulheres fazia.

Ériton se achou um pouco burro por não ter aproveitado mais da situação. Poderia ter ficado no quarto, experimentado alguma coisa nova. Mas não, ele simplesmente travou. Mas ele se conhecia. Nunca relaxava quando o ambiente não ajudava. Naquela ala vazia da pousada, ele tinha se sentido em outro mundo.

Como nasce um coraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora