Eram seis e quarenta da manhã de segunda-feira. Rick estava encarregado de buscar o irmão caçula; Ricardo o tinha levado até certo ponto e ele deveria cuidar do restante do trajeto até a escola, de onde o garoto sairia na responsabilidade da Zaira.
Dessa vez ele não levantou qualquer objeção. Estava cansado, irritado, mais do que normalmente, e só queria que aquele moleque se saísse bem no que quer que estivesse fazendo para que ele pudesse ter paz. Ele estava se dando conta de que ser egoísta e frio com a família, além de criar uma imagem ruim para si, o corroía por dentro e o deixava infeliz.
A tentativa de sair com o Ériton, passar mais tempo com ele para basear melhor seus sentimentos, não tinha dado certo. O jovem estava com a programação do fim de semana completa: ir para a casa dos pais no domingo, trabalhar sexta e sábado à noite numa casa de shows, e dormir em qualquer tempo livre que tivesse. Sair com Rick não estava em nenhum de seus planos.
Era a primeira vez que Ériton recusava um convite formalizado, depois que eles se conheceram. Rick ainda se recuperava da surpresa, pois esperava que o fato de Ériton morar mais perto fosse algo positivo para eles.
Simpático e carinhoso, Ériton tinha dito que estava muito ocupado e que não poderia ir a lugar algum. E mesmo ele sendo tão sincero e convincente, o que veio à cabeça de Rick foi um motivo diferente do que ele tinha dito. Era impossível não confiar nele, e por isso Rick começava a lamentar-se. Ériton estava deixando de ser algo que ele tinha nas mãos para ser algo que ele sonhava em ter e não tinha. O garoto perfeito.
Valoriza depois que perde, idiota. Rick ficou ainda mais desolado quando Ériton recusou o segundo convite, no meio da semana.
A tentativa de ter um fim de semana relaxante tinha sido frustrada também por sua agenda cheia, mais cheia do que o recomendado, e ele se maldizia por arranjar para si mesmo tantos compromissos. Naquele momento, só importava o fato de que ele estava esgotado e querendo fugir das ligações e mensagens que se acumulavam. Seu escape planejado, que era o Ériton, não estava mais disponível. O garoto perfeito, aparentemente, não queria ser apenas um escape.
A tentativa de finalmente ter seu apartamento livre também deu errado. Jairo tinha começado a trabalhar, mas não tinha ideia de quando ia receber seu primeiro salário. Ainda não podia pagar um aluguel. Jairo estava particularmente entediante por aqueles dias, sempre puxando conversa íntima, e solícito demais. Fora o trabalho, ele raramente saía, e dessa forma não deixava o Rick livre uma só noite. Mesmo ele sendo educado e gentil, não era a mesma coisa que uma visita esporádica. Rick não relaxava com ele por perto, e isso estava se acumulando de tal forma que ele sentia que iria estourar em breve.
Outra coisa que o incomodava nessa questão do Jairo era o fato de Ériton vez ou outra fazer insinuações sobre eles. Apesar de ele nunca falar claramente, Rick notava seu ressentimento quando ele dizia: "e o seu amigo? Está lá ainda?" "Não podemos ir pra sua casa? Ah, o seu amigo, né". Só faltava colocar amigo entre aspas. Se ele dissesse algo mais concreto, Rick poderia dizer que ele estava enganado, mas Ériton não dizia.
Foi Zaira quem chamou a atenção para o óbvio. Sempre atenta aos níveis de cara feia do irmão, ela o obrigou a falar o que estava acontecendo quando ele chegou na casa da mãe apesar de não ser o dia obrigatório de ir lá.
— Não acredito! — Ela levantou os olhos e abriu a boca de falsa surpresa. Ela já tinha visto o carro dele entrando na propriedade.
— O que foi? Não posso vir aqui o dia que eu quiser?
— Você deveria fazer isso, mas sabemos que não faz. A questão é: por que você veio hoje?
— Jairo! Meu querido amigo é bem irritante com seus almoços de domingo. Eu queria me distrair, mas não tenho tempo nem companhia, então eu vim para essa casa, que, até onde eu sei, também é minha.
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Como nasce um coração
RomansaDevido a um acidente, Ériton trocou toda a farra de Carnaval por uma tranquila festa à fantasia.