Capítulo 11

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Ériton estava no balcão da loja de produtos agrícolas de propriedade do tio materno fazendo o que fazia quase todos os dias. Não tinha visto nem ouvido nada anormal, e estava se divertindo com algo que um cliente contava. Ele estava se saindo bem com as vendas, segundo o "patrão", e tinha futuro no ramo. Mas o tio o chamou no escritório logo a seguir.

Como era da família, ele sempre era chamado ao escritório quando tinha novidades, fossem elas quais fossem. Porém, dessa vez o assunto era ele. Tio Naldo esperou ele chegar, apenas os dois na pequena sala atulhada de armários e gaveteiros, e sacou o celular.

— O que é isso, Erinho?

Não parecia coisa boa. A cara do tio não estava boa. Ele era vermelho normalmente, mas ali ele estava absurdo.

— Isso o que? — Ériton olhou para o rosto do tio e não para o aparelho.

— Isso! — O tio balançou o celular na frente do rosto dele. — Isso aqui!

Era a foto que Ériton pretendia que os pais vissem. Que vissem "por acaso" e tivessem dúvidas, que o chamassem para conversar. Não era para o tio estar com ela. Ele não sabia como tinha vindo parar ali, com legenda e tudo. Algo não estava certo.

Ele abriu a boca para falar, mas não disse nada. Gaguejou e engasgou-se. Ele não queria explicar a foto, ele queria explicações, perguntar por que ela estava ali.

A conversa não foi boa. Nem foi uma conversa, na verdade. Não foi explicada nem uma coisa nem outra, e quando o tio Naldo disse que não era bom para a loja que o atendente de balcão parecesse "viado", que os clientes eram conservadores, ele apenas pegou o moletom no armário, a carteira na gaveta, e foi embora. Ainda ouviu o tio dizer que ele podia ficar no escritório, mas ele não gostava de escritórios. E não gostava de discussões. E logo por aquela foto, que nem era real.

Ériton tomou um ônibus até sua praia favorita. Fechou o zíper do agasalho até o queixo, pôs o capuz e desceu até a areia, se sentou sobre uma sacola plástica e ficou olhando as ondas bravas. A areia estava úmida.

Ele respondeu uma mensagem do Paco sobre alguma coisa sem importância, e quando Paco perguntou onde ele estava, ele disse a verdade. Disse que tinha fugido do trabalho e estava ali.

Vinte minutos depois, o amigo chegou.

— Eita que você ainda tem esse moletom da oitava série!

— Ninguém diz que é velho, não é?

— Só quem te conhece há anos. — O amigo se sentou ao seu lado sem se importar com a roupa. — Não tá um dia muito legal pra vim na praia. O que houve?

— Um monte de coisa. — Ériton suspirou olhando o mar. — Mas eu só queria ficar aqui mesmo, sem fazer nada. Pensar um pouco na vida.

— E tá pensando em que agora?

— Só na vida mesmo.

— Sei... O que aquele engomadinho fez dessa vez?

— Tá falando do Rick? Não, ele não fez nada não. A gente não se fala desde domingo passado.

— E você tá triste por isso?

— Não.

— Antigamente você me contava as coisas.

— E continuo contando, ué. Só dessa vez é mais difícil. Tenha paciência.

— Ok. — Paco esperou. Desenhou coração na areia, fez um castelo, uma fazenda e então se cansou de esperar. — Ok, ok! Vamos lá pro carro? Você tá agasalhado, mas eu não. Tá frio aqui.

Como nasce um coraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora