A posse

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Soraya acordou mais cedo do que gostaria, às cinco em ponto já estava de pé. Na cama de hotel que compartilhava, André roncava baixo em um sono profundo.
A vice-presidente caminhou até a sua janela e parou para observar a rua, não via carros, nem escutava pássaros. Tudo estava deprimente, combinando com o seu humor.

O tempo no distrito federal era ameno, uma brisa suave agitava a copa das árvores abaixo de sua vista. Estava há uma semana hospedada com André em Brasília, mas não via a hora de ir embora. Talvez quisesse fugir por ter uma péssima companhia e não pelo hotel em si.

Passou meia hora parada em frente a sua janela, não sabia ao certo o que estava esperando, se sentia anestesiada pelas dores que latejavam em sua costela e em sua lombar. Além disso, seu pescoço ainda tinha marcas evidentes dos dedos do homem que a agrediu.

Assim que os primeiros raios de sol apontaram no horizonte, Soraya despertou de sua inércia. Seguiu arrastada para o banheiro, obrigada a tomar banho.

Depois do dia em que André a chantageou, nunca mais foi a mesma. Sobrevivia em modo automático, com uma grande sombra pairando sobre suas costas. Sentia ainda o fardo de respirar, de caminhar e até mesmo de dormir. Suas noites mantinham um padrão de silêncio ou de escândalo.

Das vezes que André chegava embriagado para ter relações com ela, Soraya lutava contra ele até o fim, não cedia aos seus desejos, muito menos às suas agressões. Em contrapartida, a rejeição dela tinha consequências. Ele a humilhava e acabava com sua autoestima, para além de suas marcas físicas, o homem acabava com sua saúde mental.

Thronicke também lutava contra a sua própria mente. Pensou inúmeras vezes em desistir de tudo e entregar seu agressor à polícia, mas sua coragem saia do corpo todas as vezes que via Simone se pronunciar, orgulhosa de seu novo mandato.

Pensava em tirar a própria vida, para dar fim ao seu sofrimento. Seja qualquer atitude que tivesse, ela deixaria Tebet vulnerável aos ataques não só de André, mas também de todos os outros que compactuam com os mesmos ideais dele.

Depois de chorar no banho, Soraya se arruma para a posse da nova presidente da república. Passa uma hora se maquiando, escondendo seus hematomas. Via no espelho uma mulher completamente diferente, não reconhecia a dor que seu olhar passava, muito menos o semblante deprimido. Forçou um sorriso e se frustrou, André conseguiu estragar o que havia de mais cativante nela.

Thronicke abandona seus pensamentos e se veste. Coloca um macacão pantacourt branco e um salto alto bege, enquanto isso, André Bolsonaro acorda mal humorado.

O homem se arruma rapidamente e resmunga algumas asneiras sobre a aparência dela, mas finge não ouvir. Gostaria que seu humor melhorasse, então decide ignorá-lo completamente.

Thronicke está nitidamente nervosa, já que encontraria Simone depois de dois meses sem nenhum contato. Ao entrar no carro do bolsonarista, Soraya repassa a cena da despedida das duas no hospital. Aquilo assombrava tanto a sua cabeça que ela se perdia no que era real e no que era invenção do seu inconsciente.

Ao chegar no Palácio do Planalto, Soraya sai de perto de André. Aproveita que ele está distraído conversando com alguns conhecidos e se esquiva sorrateiramente até o corredor mais cheio, para que não fosse vista. Muitos aliados a cumprimentam e dão boas vindas a sua nova era como vice-presidente.

Depois de passar por vários bajuladores, Thronicke avista Marcos ao final do corredor e decide ir até ele. O amigo a recebeu com abraços saudosos e olhos marejados.

– Você cresceu! – Marcos passa o braço pelos ombros de Soraya e dá um gole em seu café.

– Deve ser o meu salto novo. – Soraya ri, se sentindo melhor com a presença dele.

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