Campus

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Meu último dia em casa antes de ir para o campus estava sendo bem corrido, não era assim que eu o imaginava.

Minha mãe corria de uma lado para o outro, telefonando para suas amigas que diziam ter me pegado no colo quando era apenas um bebê.

Minha irmã mais nova não parava de me cutucar, pedia toda hora para que eu brincasse com ela. Por mais que eu quisesse eu não tinha tempo de sobra, muito pelo contrário, eu estava sem tempo.

Meu pai preferiu não olhar na minha cara, era difícil demais para ele aceitar que sua garotinha já estava grande o suficiente para poder se virar sozinha, ele e minha mãe haviam discutido algumas horas antes sobre isso, mas, a cabeça do velho não muda.

Meus professores me perguntaram na última semana de aula "por que está indo para tão longe?", E eu sempre achei que a resposta era óbvia, mas talvez não para eles. A real é que eu me cansei dessa vida, sempre a mesma coisa, sempre as mesmas pessoas, sempre as mesmas coisas pra fazer...sempre os meus pais.

Então decidi que iria para San Diego, lá é uma cidade muito maior e com um ensino superior, meus pais, mesmo no começo não querendo, fizeram de tudo para conseguir pagar a mensalidade para que eu conseguisse estudar na melhor escola possível, a "Paris University".

Não é como se quando eu chegasse lá todas as minhas inseguranças fossem embora, mas já era um começo, o começo de uma independência.

- Já arrumou as malas? - minha mãe disse - eu deixei uma lista com tudo o que precisa em cima da sua cama, você viu?

- vi sim, mãe. E eu agradeço, mas eu não tinha visto ela e acabei amassando quando sentei em cima - por parte estava certo, eu sentei em cima dela sem querer, não amassou muito, mas eu achei melhor jogar fora antes que minha mãe tomasse conta da minha independência de fazer as malas.

- oh, é uma pena - disse ela com um olhar triste e preocupado - acha que pegou tudo?

- mãe, olha pra mim - sentei-me em sua frente e envolvi suas mãos com as minhas - eu estou bem, eu acho que a minha independência deveria começar agora, não acha? Você não pode ficar comigo no campus dizendo isso ou aquilo ou me ligando de hora em hora certificando que eu não me esqueci do remédio de alergia - ela fez isso quando passei o final de semana na casa de minha amiga.

- eu sei, eu sei. É só que, é difícil aceitar que minha menininha cresceu - o semblante cansado de minha mãe agora tinha um ar de tristeza - e se sua irmãzinha seguir seus passos, logo não a teremos aqui também.

Minha irmã mais nova não tem 14 nem 15 anos, ela tem 6, e mesmo assim minha mãe se preocupa de que amanhã ela saia de casa com um namorado que tem um conversível 1994 enquanto escuta um CD do deep purple.

- chega dessa baboseira, está tarde - meu pai apareceu na sala passando a mão na barba que ele cultivava a anos, juntamente de uma barriga de Brahma - deixe ela dormir.

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Na manhã seguinte, pouco antes de partir, eu percebi que ainda não estava totalmente pronta para isso, neguei tanto a ajuda de meus pais e agora estava me sentindo sozinha, perdida.

Meu pai como combinado me levou ao campus de carro juntamente da minha mãe e irmã, minha mãe falou durante o caminho todo, e chorou também. Aquilo parecia o fim do mundo na visão deles, e começou a parecer no meu, mas não tinha volta, estava no carro a poucas horas de San Diego, não tem como pedir para dar meia volta depois de quase 21 horas em um carro (com pausas para dormir, comer e usar o banheiro)

Quando chegamos ao campus percebi que não tinha me preparado para todo aquele frio, eu tinha chegado na época mais fria do ano mas não sabia disso, pelo visto precisava da ajuda de meus pais mas não iria admitir isso.

O campus estava cheio de alunos se despedindo dos seus pais, crianças abraçando adolescentes, cachorros dizendo um "até logo", pessoa chegando sozinhas em carros mais antigos tipo o fusca de 1970. Os prédios dos dormitórios eram altos e muito largos, pareciam até uma própria escola, mas não chegava nem perto. Por abrigar mais de 10mil alunos, a Paris University era enorme, mas pelo que sabia a divisão de horários e turmas era muito bem feita.

Meu quarto era o 103, logo no segundo andar, eu sei que dividiria com uma garota já que a divisão era feita por sexo, mas não tinha ideia de como era feita a escolha, se era sorteio, vagas, lugar que veio ou coisa do tipo.

O quarto era menor do que eu esperava, as paredes eram verde claras, aparentemente pintadas recentemente, eu tive a impressão de que se encostasse parte da pintura iria voltar em meu dedo. O chão era de uma madeira bem escura, mas já parecia estar a mais tempo lá, porém, nada muito gritante. No centro do quarto havia um sofá de três lugares bege, parecia ser novo também, quando passei minhas mãos por ele senti que era de veludo (não era atoa que era uma das maiores escolas do pais). De frente, presa na parede, estava uma televisão de 24 polegadas e logo embaixo um rack preto com um controle.

O que me surpreendeu foi as camas, ou a cama, era um beliche simples, o que por um minuto pareceu um grande contraste em relação ao sofá, a madeira da cama era escura, quase da cor do rack, a roupa de cama de ambas eram beges, e em uma delas havia dois travesseiros ao invés de um.

- quer ajuda com as malas, querida? - minha mãe veio segurando as lágrimas.

- ela não precisa de ajuda, já é independente - disse meu pai atrás dela com sua voz grave - afinal, é por isso que ela está aqui.

- eu nunca mais vou te ver? - a pequena veio até mim segurando uma boneca de pano - eu não quero dizer tchau.

- não, meu bem, você vai me ver sim, eu vou pra casa nos feriados e nas férias, tá bom? - beijei sua testa enquanto acariciava seus cabelos.

- você me promete?‐ - ela levanta sua cabeça e me revela os olhos com lágrimas.

- prometo - a puxei para um abraço bem apertado enquanto olhava minha mãe se desmanchar em choro.

- fica com ela, pra você não esquecer de mim - ela me entrega sua boneca com vestido sujo de terra e cabelos embaraçados.

Eu sorri para ela e depois para minha mãe, só então percebi que meu pai não estava mais no quarto.

- eu acho que já vamos, então - disse ela sorrindo orgulhosa - liga pra mim quando puder - sem conseguir conter as lágrimas, ela puxa minha irmã e sai do quarto fechando a porta logo em seguida.

É, parece que Millie Bobby Brown vai ter uma vida nova apartir de agora.

O Quarto 103 {SILLIE} ✅️Onde histórias criam vida. Descubra agora