Perturbações

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Certamente se ligasse para minha mãe 00:30 perguntando qual a melhor forma de sobreviver sem o meu remédio de alergia ela teria um piripaque.

Eu tenho certeza de que não me esqueci de trazer ele, eu juro pela minha mãe.

O que reforçava a minha certeza, se é que isso era possível, era o fato de que a caixinha do remédio estava bem em cima de minha cabeceira, e eu posso afirmar que ela estava cheia antes.

O dia que percebi que era dependente dele para sobreviver foi quando fui dormir na casa dos meus avós, em uma casa muito antiga no canto menos movimentado da cidade. Era uma casa construída pelo meu bisavô que iria passar de geração em geração. Naquela noite eu não consegui pregar os olhos, ardia e parecia coçar, eu não parava de tossir e lacrimejar por um segundo se quer.

Não querendo apontar dedos, longe disso. Mas, a última vez que eu vi esse remédio foi quando saí do meu próprio quarto por conta do incomodo que Sadie me causava, nao sei se era paranoia minha ou realmente havia uma mão de unhas vermelhas no meio disso.

Já que eu não iria conseguir dormir resolvi que iria pintar, mas não pintar em uma tela ou algo parecido, iria pintar em bonecas. Aos meus 11 anos ganhei uma boneca de aniversário um tanto quanto "sem sal", eu criei em minha cabecinha mal formada um objetivo de vida, deixar aquela boneca apresentável. Cortei seus longos cabelos loiros e tentei os cachear, retirei seus olhos e pintura com auxílio de materiais totalmente inapropriados para isso, e por fim resolvi que aquela roupa que era presa em seu corpo também precisava de alguns ajustes.

Me lembro de pegar meus lápis de cor e os molhar na água como se fossem pincéis, com toda a delicadeza do mundo fui colocando tudo aquilo que estava em meus planos em prática. Pintei seu rosto com maquiagem, lápis e canetas. Deixei seus cabelos cacheados usando canudos, água quente e água fria, criando um choque térmico. E por fim, costurei sua roupa do zero, causando vários furos em meus dedos inexperientes.

O resultado me pareceu perfeito, mas por ter sido feita com qualquer material não era seguro deixá-la em qualquer lugar, então, criei um local em meu quarto próprio para ela, e logo então a batizando de Amélia. Como a primeira boneca havia sido um sucesso entre minha família, fui recebendo de presente bonecas velhas ou até mesmo bonecas sem pinturas, próprias para absorverem qualquer tipo de pintura. Logo então me vieram os materias, tudo aquilo que eu pedia me era entregue em mãos, até mesmo fiz algumas encomendas de bonecas.

Isso começou a se tornar um vício quando comecei a tentar recriar as pessoas que eu avistava no meu dia a dia ou até mesmo na rua, posso dizer que esse é um vício até maior do que o por coisas antigas, claro que eu já juntei os dois e criando algumas bonecas estilo anos 60 a 2000. E como esse vício por bonecas tinha que continuar sendo alimentado, comecei a recriar uma das pessoas da escola, Sadie Sink.

Depois de certas paranoias sobre o sumiço do remédio pensei duas vezes antes de continuar acrescentando os detalhes da ruiva naquele corpo de plástico sem vida, mas, como não teria como reaproveitar aquela boneca, resolvi que iria continuar. Mas é claro que estava quase impossível por conta da minha crise de tosse e falta de ar.

Será mesmo que algum ser humano seria tão ruim ao ponto de pegar algo que quase sustenta uma pessoa? Eu tenho quase certeza que sim.

Mas nada disso me abalou, continuei pincelando o pincel no rosto de plástico criando as mais belas sardas possíveis, não posso dizer que a boneca está ficando igual, até porquê eu não tenho nenhuma foto de sink para usar como referencia, mas, talvez se eu ficasse um pouco mais louca por não conseguir dormir fizesse a proeza de ir pedir.

Não, não seria tão idiota assim.

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O Quarto 103 {SILLIE} ✅️Onde histórias criam vida. Descubra agora