4- A Toca

12 0 0
                                    

         Depois do que pareceu uma eternidade, quando keyo estava prestes a sair pela portinha pela qual entrou, Lilian finalmente volta. Ela abre o alçapão e só coloca sua cabeça pra fora. Ele se levanta com um pulo e os dois se olham por um tempo.
   -Vem- ela chama, e depois desce.
         Keyo ficou desconfiado e com receio da outra voz masculina, a qual ele suspeitava que fosse do tio que ela comentou mais cedo, mas, mesmo conhecendo Lilian por tão pouco tempo, ele desceu.
          Quando pisou no andar de baixo, nem pode acreditar no que estava vendo: era uma loja de tralhas, dando uma varrida com os olhos por entre as prateleiras, era possível contar inúmeras coisas. Ele podia ficar horas e horas olhando tudo.
   - Bom...-disse Lilian- bem vindo à Toca.
   - Toca?- keyo riu
   - Quando mais nova eu achava engraçado também. - ela retrucou - Essa é a loja do meu tio.
          Keyo começou a andar pela loja olhando tudo ao redor. Tinham livros, objetos de decoração, quadros, plantas, móveis, objetos de coleção, jornais, roupas, tudo.
          A frente da loja era igual ao andar de cima: duas janelas antigas, exceto por uma porta bem no meio delas. Keyo estava olhando os objetos quando alguém veio de dentro da loja. Keyo gelou. Era um homem não muito alto, com barba mal feita, cabelos grisalho e uma barriga notável. Mas até que ele andava bem vestido.
   - Calma- disse Lilian- tio, esse é o keyo. Keyo, esse é meu tio, Lucien.
          Keyo o olhou nos olhos. Ninguém disse nada por um tempo. Até que o silêncio foi cortado por Lucien:
   - Então ele é o refugiado que invadiu minha loja, não é?- ele perguntou olhando pra Lilian- Você sabe pra onde gente como ele vai.
   - Eu sei, tio Lucien - ela respondeu com a voz claramente cansada.
   - Olha, eu não quero atrapalhar- disse keyo se virando pra porta.
   - Garoto você é surdo?- Lucien disse num tom irônico - Você sabe oque acontece com gente como você lá fora. Se eu fosse você, eu não sairia daqui.
          Era notável o olhar de confusão de Lilian e keyo, mas estavam aliviados.
   -Tio Lucien- Lilian se virou ao tio- você vai mesmo falar com Amilton?
   - Vou - o tio responde- e vocês dois vem comigo.
   - Mas não é perigoso ele sair sem uma- Lilian foi cortada por keyo.
   - Tudo bem. Eu vou.
          Lucien apagou todos os lampiões da loja e os três saíram na rua. No desespero no dia da fuga, ele nem notou que a Toca ficava numa encruzilhada, ela ficava em duas ruas ao mesmo tempo. Os três foram andando pra um lugar desconhecido por keyo, apenas seguindo Lucien que andava mais na frente.
   - O que acontece com gente como eu?- falou keyo baixinho, perto de Lilian.
   -Melhor não saber -ela responde.
          Eles não andaram muito, até chegar em um bar com alguns cavalos amarrados na entrada.
   - Keyo preste atenção - disse Lucien se virando ao menino bem sério - nós vamos entrar e você tem que ficar bem sério. Não encare ninguém. Não faça nada além de me seguir. Isso vale pra você, Lilian.
          A partir daí, os dois ficaram tensos. Eles entraram. Era um bar normal com algumas mesas e uma prateleira imensa lotada de bebidas alcoólicas. Era idêntica ao bar em que keyo bebia com dinheiro roubado em sua aldeia. Tinham alguns homens bebendo em algumas mesmas, mas ninguém pareceu notar os três entrando.
   - Barman- Lucien disse apoiando-se no balcão- eu quero um chopp especial.
         Ao dizer isso, o Barman parou de limpar o copo que estava segurando respondeu:
   - Venham.
          Keyo estava mais confuso ainda, mas ele só segui Lucien que seguia o barman. Eles chegaram numa porta no fim de um corredor estreito. O barman tirou uma chave do bolso e abriu a porta. Lucien, Lilian e keyo entraram, já o barman fechou a porta por fora.
           Era uma sala escura, mas relativamente grande. Um homem magro com roupas largadas e um bigode enorme estava sentando numa mesa a frente.
   - Lucien....- o homem disse.
   - Amilton....- retrucou Lucien sentando-se, seguido por Lilian e keyo.
   - Pra quem é? Pra ele?- Amilton perguntou olhando pra keyo.
   - É.
   - Até que os refugiados estão ficando mais bonitinhos- ele respondeu levantando -se e indo à uma gaveta no fundo da sala, onde a Luz do lampião não alcançava.
           Depois de ficar um bom tempo fuçando a gaveta, Amilton vou com um pedaço de papel pequeno na mão.:
   - Aqui - ele entregou o pepel a keyo.
           Keyo ficou perplexo. Era a imagem de um jovem muito parecido com ele. Claro, tinha suas diferenças, mas o cabelo e o formato do queixo eram iguais.
   - Uau- keyo disse- é idêntico a mim.!
   - Essa é a intenção né- Amilton respondeu ironicamente.
          Lilian e keyo saíram da sala e ficaram ao lado da porta esperando Lucien. Um tempo depois ele saiu e os três foram de volta a Toca.
   - Está é minha identificação? -keyo perguntou.
  - É - Lucien responde- Se um guardinha te parar na rua, mostre isto a ele.
   - Mas de quem é isto?- ele pergunta.
   - De alguém que já morreu - Lilian responde.
          Depois disso, ninguém disse mais nada até chegarem na toca. "Pelo menos eu não sou mais refugiado" keyo pensou.

Muralhas de Alvorada Onde histórias criam vida. Descubra agora