— Não acredito que me deixou de fora dessa.
Somente assenti para Laura, pairando por horizontes abstratos demais dos meus pensamentos para lhe responder de forma mais coerente acerca da investigação sobre a minha mãe. Permaneci concentrada na tarefa de terminar de trançar minhas mechas azuladas em frente ao seu espelho, o qual esboçava na superfície refletiva minha amiga imersa seu pijama de pizzas, com o cabelo enfiado dentro de uma touca de hidratação e uma pelúcia de axolote cor de manteiga no colo. Laura adorava pelúcias e bichos de todos os tipos.
— Tá tudo bem. — assegurei. — Nada fora do normal.
Vi suas sobrancelhas se erguerem através do espelho, evidenciando as íris rodeadas de uma descrença óbvia e cintilante.
— Tirando o fato de que você está protagonizando o elenco de um filme pornô de baixo orçamento com seu melhor amigo, com certeza está tudo perfeitamente dentro da normalidade.
— Pare com isso. A gente nem transa!
— Você entendeu.
Rolei os olhos.
— Por que não me fala de você? Tipo como foi seu dia?
— Tudo bem, não vou ignorar a sua tentativa tosca de mudar de assunto. — Pendeu a cabeça para o lado, com um sorriso de canto se esboçando nos lábios. — Dormi cerca de sete horas durante a noite, sonhei com alienígenas cortadores de cebolas mutantes, acordei pisando no chão com o pé direito para não dar azar, comi cerca de quinhentas gramas de cereal com um terço de litro de leite...
— Não necessariamente com tantos detalhes. — Barrei sua fala, contendo o ímpeto de rir. — Por causa disso, fiquei com fome. Acho que vou fazer alguma coisa para comer.
— Por favor, não mistura brigadeiro com miojo de novo... — Seu timbre foi permeado de uma mescla de nojo e medo.
Pensei em xingá-la por uma fração de segundo, até me dar conta de que não poderia julgá-la por detestar minhas comidas agridoces. Na verdade, a única pessoa que conseguia gostar de um bom percentual delas era Romeu — ou talvez odiasse com o mesmo fervor de Laura, porém se via forçado a comer. Não fazia ideia, mas ele nunca reclamou; pelo contrário, sempre parecia estar provando uma fatia do Olimpo, se o Olimpo fosse parecido com uma pizza de chocolate com jujuba.
Na escola, sempre se sentava ao meu lado no balanço do parquinho e me pedia para dividir meu lanche com ele, independente de qual gororoba alimentar fosse, e eu achava secretamente estranho seu interesse pelos meus pratos inventados, por sempre ter sido paranoico elevado à oitava potência com o que comia.
Quando percebi, já na cozinha, que estava pensando nele por tempo demais, balancei a cabeça enfaticamente, sacudindo minhas tranças no processo. Laura estava tirando dois miojos de potinho cem-por-cento não saudáveis do armário, inclinada na direção das duas metades da porta de madeira.
Por trás da janela sobre a pia, dava para ver que a noite já havia estendido seu manto negro salpicado de estrelas na cidade, que reluzia as luzes artificiais dos seus postes até onde meus olhos alcançavam do horizonte por trás do vidro.
— Quer dizer que você esqueceu completamente do Luís das aulas de teatro? — minha amiga indagou, após colocar o macarrão instantâneo no micro-ondas.
Ela ajustou o tempo e, após ligar o eletrodoméstico, girou na própria órbita e apoiou os quadris largos cobertos pelos shorts de tecido no balcão, fitando-me com curiosidade.
O maior problema de Luís era que o maldito era, aparentemente, perfeito. Tocava violão, tinha um par de olhos que se assemelhavam a duas gotas gigantes de mel celestial, além de um amontoado de cachos de caracol sempre bem arrumados no topo da cabeça e um sorriso que abrigava covinhas em ambos os lados das bochechas. Sem contar que era um poço adorável de educação e simpatia.
Outro dia, eu o tinha visto no mercado junto com a avó, ajudando-a a ler as embalagens com toda a paciência e ternura do mundo. Vislumbrei tudo isso perfeitamente escondida atrás de uma pilha de caixas de chocolate, é claro, resistindo ao impulso de fingir ser uma estátua humana para que as pessoas que estavam passando não me olhassem com tanta estranheza.
Quase me converti em uma poça de deslumbre no chão do mercado, mas me contive. Não queria que ninguém escorregasse em mim e quebrasse a bacia. Ir parar no hospital por causa de uma Julieta-líquida muito egoísta soava bizarro na minha cabeça.
Luís parecia ser muito legal. E isso era o que me impedia de tentar qualquer aproximação que fosse. Pessoas incríveis demais nos intimidam, especialmente se aparentam possuir todos os pré-requisitos para te fazer ficar apaixonada.
— Ele não foi exatamente descartado. Eu sei lá. — Forcei-me a dar de ombros. — O Luís é... legal demais.
— Lá vem aquele papo de novo. — Laura riu, rolando os olhos com falsa impaciência. — Quando um cara não é escroto demais, é incrível demais. De toda forma, ninguém nunca parece bom para você, Julieta. Quando vai entender que todo mundo tem um caminhão inteiro de defeitos, inclusive você? E que essa... coisa da pessoa perfeita, única merecedora do seu coração, que mora em uma caixinha que você criou, não existe?
Puxei o ar para meus pulmões, demorando propositadamente para responder, com a atenção fixa no contador do micro-ondas como se minhas íris pudessem fazer os números decrescerem mais rápido. Tive a impressão que deu certo, porque pouco depois ele chegou ao zero e o apito típico infestou o ar.
— Melhor pegar os miojos. — desconversei.
Ela arqueou uma sobrancelha esperta, ciente da minha tentativa de mudar de assunto.
— Você tem uma cabeça de ovo muito irritante. — falou, como se tivesse proferido o pior xingamento da face da Terra.
— Isso não faz sentido. — avisei, reprimindo o ímpeto de rir.
— Tanto faz. Você entendeu.
Balancei a cabeça, gargalhando, e ela me acompanhou. Depois, capturou os potes de dentro do micro-ondas, dois garfos e os levou para os irmãos na sala, voltando pouco depois. Um suspiro lhe escapou, e suas orbes irradiaram um misto contrastante de curiosidade e cautela sobre mim.
— E quanto ao caderno da sua mãe?
— Descobri algumas coisas sobre o que tem lá dentro. Alguns itens eu ainda tenho que olhar mais um pouco, mas, no geral, estou... Impressionada. É tudo tão bonito e cheio de significado! — Não pude conter o meu encantamento.
Um sorriso se esticou nas feições de Laura.
— É tão bom te ver assim. Você finalmente encontrou algo para atiçar seu espírito aventureiro. — comentou, divertida.
A constatação desse fato me fez sorrir.
— É, eu acho que sim.
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O Fantástico Mundo de Romeu e Julieta
Novela JuvenilJulieta Belmonte tem plena convicção de que a sua amizade com Romeu Martinelli não possui a mínima chance de se colorir. Com dezessete anos e várias experiências amorosas que foram um tremendo fiasco, a última coisa que Julieta queria era se apaixo...