Um dos meus lugares favoritos no mundo era, com certeza, a loja da minha tia Júlia.
O que se vendia na Relicário era uma coletânea de velharias doadas, compradas e outras que passaram pela nossa família durante gerações, a exemplo de móveis rústicos, eletrônicos ultrapassados por modernidades não tão impressionantes, vinis cobertos pela poeira do tempo e outras relíquias fantásticas.
Aquele lugar era quase místico. Durante parte da minha infância, depois que o estabelecimento foi aberto, eu e Romeu costumávamos viver nele à procura de descobertas interessantes que atiçassem a nossa criatividade, dissolvendo imaginação no ar rumo à infinitude repleta de estrelas, planetas e galáxias em expansão no cosmos surreal que girava acima das nossas cabeças.
Quando não éramos nós dois, era eu e o meu primo mais próximo, Jader. Debaixo das conchas alaranjadas que compunham seu cabelo, havia uma mente tão colorida quanto a minha, o que provavelmente foi o motivo mais forte dele ter sido a minha paixonite de criança por um tempo considerável, a ponto de ter até mesmo escrito cartinhas repletas de desenhos tortos para o garoto — as quais, muito felizmente, nunca foram entregues.
A questão é que o tempo de convivência naturalmente fez com que eu o conhecesse o suficiente para ter certeza, no momento em que um par de mãos taparam abruptamente meus olhos fixos em uma prateleira, que o responsável pelo ato fora o ruivo.
— Sei que é você, Jader. — Descontração enfeitou a fala.
— Como você sempre sabe? — Falseou indignação, libertando minhas vistas assim que deixou as palmas caírem na lateral do corpo.
Girei nos calcanhares, erguendo levemente o queixo diante dos seus quase dois metros de altura para fitar as íris cor de caramelo.
— Porque você faz a mesma coisa desde, sei lá, sempre. — falei, com ar de riso.
Seu nariz se torceu em uma careta, o ato repuxando as inúmeras constelações de sardas que polvilhavam sua pele por toda parte.
— Touché.
Dei risada, esticando os pés para enlaçar seu pescoço. O tecido da sua camisa xadrez grudou completamente na minha quando ele circundou minha cintura, apertando-me contra ele em um abraço ensolarado.
– Senti sua falta. — murmurou por entre os meus fios. — Como a gente mora na mesma cidade e se vê tão pouco?
Deixei uma risada breve escapar, desvencilhando-me do seu toque para imprimir uma pequena distância entre nós. Suas palmas mergulharam nos bolsos da calça recheada de listras amarelas e vermelhas, os lábios exibindo seu costumeiro sorriso que desmanchava tentáculos de luz no ar capazes derreter a atmosfera congelada de qualquer planeta.
Era incrível como Jader conseguia ser um sol andante, mesmo com todas as nuvens tempestuosa que nublavam seu passado.
— Quem nunca mais me chamou para pintar foi você. — brinquei, estapeando levemente seu braço com as costas da mão.
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O Fantástico Mundo de Romeu e Julieta
Genç KurguJulieta Belmonte tem plena convicção de que a sua amizade com Romeu Martinelli não possui a mínima chance de se colorir. Com dezessete anos e várias experiências amorosas que foram um tremendo fiasco, a última coisa que Julieta queria era se apaixo...