Anjo Caído ( Nico Di Angelo)

Você não está sozinho

Faz três dias que não o encontro, até pensei que ele pudesse ter fujido de novo mas vejo sua assinatura na folha de ponto toda manhã, sua mãe sempre me diz que ele saiu quando vou até sua casa, e seus colegas nunca sabem onde ele está mas dizem que ele assistiu a primeira aula. Estou começando a ter certeza de que ele está me evitando, mas o garoto loiro com uma cicatriz no lábio me disse que ele está evitando a todos, me conta que sabe onde ele se esconde, descobriu ontem quando estava indo para o telhado porque gosta de olhar o céu quando tem muito o que pensar, e o encontrou sentado no muro.
Sigo o caminho que Jason me passou para não ser pego e chego ao telhado, a cena que vejo me enerva, ele está sentado na beirada com as pernas balançando, seu olhar está perdido no céu, seu lanche está intocado ao seu lado.
- Nico? (Chamo incerto)
Ele tem um leve sobressalto e derruba seu refrigerante, meu coração vai a boca e volta com o fugaz pensamento de que ele podia ser essa lata.
- Will, me assustou (ele diz ao se sentar de lado para me ver)
- O que está fazendo?
- Eu é que pergunto, não devia estar em alguma sessão de tortura de Valéro? (Ele diz com um sorriso tímido)
- Consegui escapar dos campos de punição para vir te ver.
- Me sinto honrado!
Ele diz e dobra uma perna na altura do peito , vejo como ele ficou mais desequilibrado na borda de uma queda desastrosa.
- Nico, por favor, sai da beirada (peço nervoso)
- Ah (ele olha para baixo parecendo se dar conta da altura) Está tudo bem! Eu não penso em pular.
- Então por que está aqui ?
- É um bom esconderijo e gosto de altura.
- Eu não! Vem para cá por favor.
Ele suspira e vem ao meu encontro.
- Melhor? (Ele pergunta agora de frente para mim)
- Melhor (digo aliviado)
Ele troca o peso de um pé para o outro e olha em volta.
- Eu sei o que pareceu. Desculpa te assustar. É que eu gosto de ficar sozinho e de altura quando preciso pensar...costumava vir aqui com o Jason. (Ele da um sorriso fraco) Tenho que ir, o sinal já vai tocar.
- Queria falar com você (impeço sua saída)
- Não temos nada para conversar Will.
- Temos sim! Eu te vi na casa de Cronos.
- Não queria te contar isso, mas seu avô usa drogas Will. Eu voltei a vender (ele diz depois de um momento pensando)
Passo as mãos no rosto em frustração.
- Por que você não me diz o que está acontecendo? (Questiono exaltado)
- Não sei do que você está falando. Acabei de dizer.
- Meu Deus! (Respiro fundo) Eu sei que ele está te chantageando!
- Eu tenho mesmo que ir (ele diz tentando se esquivar)
- Para, Nico! (Digo exaltado)
Ficamos de frente um pro outro, ele me olha como se estivesse encurralado, com raiva, triste e algo mais.
- Will, por favor...(diz baixo negando com a cabeça)
- Deixa eu te ajudar. Você não precisa resolver tudo sozinho,nem precisa fugir também.
Ele se vira de costas para mim, o vejo respirar fundo e expirar ruidosamente.
- O que você sabe? (Ele pergunta sem se virar para me ver)
- Eu ouvi quando vocês estavam conversando no escritório...sobre vídeos e Minos querer que você retire seu depoimento.
Ele não diz nada e me vejo na necessidade de preencher seu silêncio.
- Eu não sabia Nico...se eu soubesse. Meu avô é um homem pior do que eu achava, e sinto muito não ter feito algo quando ele tentou te agarrar. Mas eu não vou ficar de braços cruzados de novo, não vou deixar você passar por outro inferno sozinho.
Escuto ele expirar e observo expectante ele puxar o próprio cabelo, quando finalmente começa a dizer algo.
- Eu...eu tô cansado Will. Eu não quero continuar sendo um fardo, um problema na sua vida, você não percebe? Tudo que eu fiz foi em vão. Se eu não voltar atrás Minos vai expor esses vídeos que nunca vão me deixar esquecer toda essa merda. E agora você sabe de Cronos...tudo que eu não queria era que você estivesse envolvido nisso de alguma forma.
- Você não é um fardo, eu te amo! E não vai ser em vão, vamos dar um jeito nisso juntos,ok? E você não tem culpa do meu avô ser um lixo.
Vejo como seus ombros começam a tremer e quero o abraçar porém sua voz soa enfurecida agora.
- O que você ainda está fazendo aqui? Não conseguiu ver que eu não valho a pena? Poha, eu sou a merda de uma puta, você não ligou os pontos? Quando finalmente ver algum desses vídeos vai saber que não tem nada para salvar aqui. Eu estou quebrado e tudo ao meu redor é caos, nada nunca se resolve de verdade.
Fico em silêncio, não sei o que dizer a isso, suas palavras foram como socos em mim.
- Vai embora! (Ele grita) Eu estou tentando te salvar de ser destruído por mim, não vê que estrago tudo? Sai daqui!
Me aproximo e coloco a mão hesitante em seu ombro, ele se afasta e volta a gritar comigo.
- Eu não quero ser salvo Will! Vai embora!
- Nico, por favor não fala essas coisas.
- Você precisa saber, Will. Quer a verdade? A verdade é que sou um garoto problemático, drogado, depressivo, e que tem vídeos de quando era prostituído que vão vazar se eu não ajudar a soltar meu abusador.
Agora eu não hesito mais, o abraço apertado apesar de suas reclamações.
- Vai embora! Me solta! (Ele continua dizendo enquanto se debate) Eu não valho a pena, sai daqui! Eu te odeio! Eu te odeio! Eu me odeio!
Ele para de resistir depois de um tempo e se deixa ser abraçado enquanto soluços insistentes continuam a sair.
- Eu não vou a lugar nenhum, Nico! Nada disso é culpa sua, ouviu? Você é muito forte por ter passado por isso e ainda ter colocado um fim. E agora não está sozinho, a gente vai dar um jeito. (Digo enquanto acaricio suas costas e cabelo)
- Eu menti, Will (ele diz quase sussurrando)
- Sobre o que? (Pergunto apreensivo)
- Eu sempre penso em pular (ele responde baixo)
- Nunca mais volte aqui, tá bom? Eu te amo! (Digo o apertando mais forte)