Estrada

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  Acordo com o vento frio que entra pela porta aberta, me viro e vejo que estou sozinho no quarto, checo o relógio e ainda são 3:21h, só iríamos levantar as 5h para arrumar as coisas e ir embora cedo, piso descalço no chão gelado e ando até a porta aberta, vejo o moreno sentado encolhido na cadeira de balanço, faço menção de me aproximar mas fico no lugar ao escutar sua risada e perceber que ele está no celular.
-Você não presta, Percy (ele diz sorrindo)
Ele ri mais um pouco do que o garoto do outro lado da linha diz e então vai ficando sério.
- Sabe que não vou responder isso. Mas realmente não sei do que você tem medo, o pior já passou quando era comigo, agora todo mundo sabe, você só tem que escolher.
Ele faz sons de que está prestando atenção na conversa e então volta a sorrir.
- Como você é dramático! Tá bom, tá bom, estou te levando a sério! Mas não posso tomar essa decisão por você.
Se faz mais silêncio da sua parte no que parece que ele está ouvindo a outra pessoa.
- Eu sei, é complicado... Mas não importa o que você decidir eu vou te apoiar.
Ele puxa levemente seu cabelo enquanto assente ao o que o outro diz.
- Se você perguntar de novo vou te ignorar por um mês (ele ameaça mas sua voz não possui raiva) Não quero falar sobre isso (diz cansado)  tá bom, também te amo apesar de você não valer nada (diz e desliga)
Volto sorrateiro para cama e finjo estar dormindo, ele deita logo depois e me abraça, tento relaxar e ignorar a paranóia que quer se infiltrar na minha cabeça e a sensação incomoda que cresce em meu peito.

De manhã, quando paramos em uma loja de conveniência minha irmã me liga para me passar notícias de como meu pai está, desligo quase no momento exato em que o moreno aparece sorrindo me oferecendo um picolé que ele garante não estar fora da validade.
- Está tudo bem? Você está tão calado hoje.
- Só estou cansado (digo sem tirar os olhos da estrada)
- Deixa eu dirigir um pouco, tenho mesmo que praticar.
- Você tirou a carteira mês passado (rebato)
- Exatamente, eu tirei, sinal que sei dirigir. Para no próximo posto para gente revezar.
- Não precisa.
Ficamos em um silêncio incômodo quando ele volta a dizer algo.
- Se esse carro fosse um Fusca, eu já teria de dado vários tapas. Deve estar indo pro mesmo lugar que a gente (olho de relance a minivan preta que está atrás de nós a um tempo) já brincou de Fusca azul?
- Nico...eu tô com dor de cabeça (o corto, e vejo seu semblante murchar com minha atitude, prometo a mim mesmo que não vou dizer mais nada enquanto estiver de cabeça quente)
Ligo o rádio para preencher o silêncio incômodo que eu mesmo gerei, depois de alguns km ele volta a pedir para dirigir já que eu não pareço bem.
- Se você e seu pai não tiverem planos, minha mãe pediu para chamar vocês para o jantar de ação de graças.
- Ele vai passar no Arizona.
- Engraçado, quando o convidei ele disse que adoraria (ele me olha acusador)
- Quando você falou com ele?
- O chamei terça passada, por que?
- Parece que sempre sou o último para quem você conta as coisas.
- O que você quer dizer?
- O que você estava conversando com o Percy hoje de madrugada?
- Sério? (Ele me olha indignado) Não é da sua conta!
- É da minha conta sim, quando meu namorado diz que ama o ex aos cochichos de madrugada.
- Está de sacanagem né? Você ouviu a conversa?! Então sabe que não é nada do que está insinuando.
- Você pensa em voltar com ele, Nico? Vai me largar e voltar pro cara que te machucou igual a sua mãe fez?
- Minha mãe...do que caralhos você está falando?
- Você fica arrumando essas situações para nossos pais voltarem...se soubesse como meu pai ficou depois que sua mãe deixou ele. Ele gostava dela de verdade, Nico. E agora você acha que eles devem voltar só porquê ela viu que escolheu mal? Ele não está visitando minha irmã no Arizona, ele está em uma clínica de reabilitação!
- Eu...eu não sabia.
- Claro que não sabia, só pensa em como ele fez bem a ela e não vê como ela pode ser destrutiva.
- Eu não vejo...vai se ferrar, Will! Eu sei muito bem sobre as consequências do que ela faz, mas nada disso foi de propósito...e merda! Ele é um homem adulto! Não vem jogar toda essa culpa nela.
- Ela também é uma mulher adulta! Para com esse discurso vitimista! E se você vai me deixar igual ela fez, então para de me enganar.
- Eu não acredito nisso. Ele é meu amigo! Eu tenho direito de ter amigos,Will.
- Sim! Mas não precisa ser amigo do seu ex, né?
  Ele me encara boquiaberto, meus olhos estão cheios d'água e pisco para continuar vendo a estrada. Quando avistamos um supermercado ele pede para descer.
- Para com isso!
- Pare o carro,poha! (Ele grita)
- Não vou te deixar no meio do caminho!
- Está vendo aquilo ali? É a merda de um ponto de ônibus! Eu sei me virar, para o carro ou eu paro.
Depois de mais um tempo discutindo faço sua vontade, ele pega a mochila no banco de trás e vai embora sem dizer mais nada. O observo se afastar e sinto que cometi um grande erro, vomitei todas as inseguranças e mágoas trancadas dentro de mim, estraguei o fim das nossas férias, talvez tenha estragado mais que isso, não dirijo nem mais um minuto antes de voltar para o buscar.
O vejo compenetrado digitando no celular, desço e caminho em sua direção, a minivan que estava atrás da gente está estacionada perto do ponto.
- Nico? (Chamo hesitante)
Ele ergue o olhar e me encara com raiva, abre a boca para provavelmente me xingar, mas seu olhar capta algo aterrorizante, porque ele parece petrificar. E então eu vejo um homem alto e musculoso andar apressado em sua direção enquanto um outro abre a porta traseira do veículo revelando Minos.
- Nico! (Grito e corro em sua direção)
O homem o agarra e ele parece não resistir ainda em choque ao ver seu antigo pesadelo o esperando com um largo sorriso. Parto para cima da figura imponente com murros e empurrões tentando o afastar do moreno e dizendo para ele fugir, o deixo livre para correr mas o outro indivíduo vem até nós com uma arma apontada, fico paralisado, enquanto vejo Minos se aproximar ainda sorrindo.
- Que bom te ver de novo! (Ele diz e para em frente ao meu namorado) O endereço que você me passou estava errado, você não fez isso de propósito não é mesmo? (Ele diz o segurando pelo pescoço)
- Fique longe dele! (Grito em alarme)
- Ah, o neto do Solace . Você tem bom gosto, Angelo! (Ele diz vindo em minha direção)
- Me diz, não é estranho você e seu avô terem o mesmo gosto? (Ele diz olhando o moreno de soslaio) Se bem, que não posso discordar, não sabe por quanto tempo o quis antes de comprar.
- Você é nojento! (Escupo diante da sua atitude ao falar do Nico)
- Eu sou nojento? (Ele sussurra ao se aproximar ainda mais e acariciar meu rosto) Posso te mostrar o quão nojento posso ser...
- O deixe em paz! (O italiano grita) Deixe ele ir e te digo o verdadeiro endereço da Medusa, eu juro.
- Ah, você vai me dizer, pode ter certeza disso! (Diz e então faz um sinal e os capangas nos arrastam para dentro da minivan)

Anjo Caído ( Nico Di Angelo) Onde histórias criam vida. Descubra agora