DOIS

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Com cuidado eu tirei os ovos de cima do jornal e segurei a folha para olhar melhor para a mulher.
Era ela, com certeza. Mesmo assim li o enunciado embaixo da foto.

"A linda modelo Gisele Bündchen e a empresária milionária Simone Tebet divertindo-se na inauguração de mais uma boate da empresária na
Pensilvânia."

Simone parecia me encarar através da fotografia, seus olhos escuros parecendo negros no jornal. Ela estava mais velha, mais linda e muito mais atraente. Há anos eu não a via. Fechei os olhos por um momento, me recordando do passado. Dez
anos.

- Sory? Está passando mal? - Maiara perguntou, preocupada repousando seu copo de café no balcão.
Abri os olhos e a olhei. Depois olhei novamente para a mulher no jornal. Simone continuava a me encarar com o olhar penetrante.

- Estou bem.

- O que houve? Ficou tão pálida!

- Vi essa mulher e lembrei que a conheci. - Mostrei a foto para Maiara. Ela fitou-a. - Há dez anos.

- Ela é meia-irmã de Carlos. - Maiara se surpreendeu.

- Sério? Nunca falou que ele tivesse parentes vivos.

- É meio complicado. A mãe dele casou com o pai dela e, por algum motivo eles viveram na mesma casa, mas nunca foram amigos. E a Simone também não concordava com o casamento do pai.

- E você? Como conheceu eles?

- Eu e Carlos eramos melhores amigos, você sabe.
Meus pais haviam morrido e eu fui morar um tempo com a minha "tia", mãe de Carlos, que era melhor amiga da minha mãe.

- Quer dizer que morou na mesma casa que ela? -
Ela falou apontando a cabeça para o jornal.

- Sim, mas por pouco tempo. Como eu disse, ela não concordava com o casamento do pai e logo foi morar sozinha. O casamento também não durou muito, o pai dela faleceu. Aí nunca mais nos vimos.

- O pai dela que deixou a herança para o Carlos?

- Uma parte da fortuna ficou com a mãe dele e depois passou para ele, depois que ela faleceu. Eles gastavam muito e fizeram péssimos investimentos.
Sem contar o vício de Carlos César por jogos e farra. Acabou com o dinheiro. - Maiara balançou a cabeça em negação.

- Se ele tivesse juízo, vocês não estariam agora nessa situação. - Disse e me encarou. - Nunca mais viram a... - Ela leu o nome no jornal. - Simone Tebet? - Maiara parou para pensar um pouco. -
Eu acho que já ouvi esse nome em algum lugar. -
Fui obrigada a dar um sorriso forçado.

- Tenho certeza que já ouviu falar, acho que o país inteiro ouviu o nome dela.

- Simone, simone, simone. - Maiara se levantou do banco e passou a andar pela pequena cozinha. - Ai meu Deus! - Ela olhou para mim com a boca aberta em surpresa. - Ela é aquela mulher que foi acusada de estupro há uns dois anos atrás?

- Sim, é ela. - Falei sem muito ânimo, eu não estava afim de falar sobre isso.

-Ela realmente tem mesmo um pênis? - Carla perguntou curiosa. Apenas balancei a cabeça em negação.

- Da onde tirou isso, Maiara? - A repreendi.

- Desculpa, eu me empolguei. É que uma vez vi em algum site dizendo sobre isso. Devia ser fake news. - Ela voltou a se sentar no banquinho. - Você também não se dava bem com ela? - Perguntou me olhando nos olhos.

Lembrei nitidamente de Simone há dez anos atrás.
Ela foi uma das poucas pessoas a me deixar descontrolada e a quem eu odiei de verdade.
Arrogante, fria, adorava me insultar. Nunca poderia esquecer o dia em que ela me beijou e me tratou como uma prostituta, quando não a aceitei.
Ela sempre insinuava que eu era interesseira e costumava perguntar o preço para transar comigo.
Ainda senti uma parte daquela raiva, apesar de tanto tempo passado.

- Não. Nunca conheci uma mulher tão fria e sem escrúpulos.

- Que pena. Talvez ela pudesse ajudar vocês agora.

- Simone? - Ri amargamente. - Ela nunca gostou da gente. Acusava a mãe de Carlos de dar o golpe do baú e ficou furiosa ao ter que dividir sua herança com ela.
Ela passaria com o carro por cima da gente se pudesse.

- Isso foi há dez anos, Soraya. Muita coisa passou.
Você está desesperada, à beira de um ataque de nervos, sem solução. Por que não a procura e tenta um empréstimo? Ela pode se sensibilizar com a doença de Carlos. O máximo que pode acontecer é ela dizer um não.

Olhei para Maiara, ouvindo suas palavras, mas balançando a cabeça.

- Pode acreditar em mim, Simone nem me receberia.
Ela é um poço de arrogância. Não perderia a oportunidade de me tratar como um cachorro!
Duvido que se comovesse com qualquer coisa.

- As pessoas mudam. - Maiara deu de ombros.
Olhei novamente para o jornal sobre a mesa. Ela estava mais velha, mas não deixava de parecer jovem, muito mais bonita. E se sua arrogância tivesse diminuído com o tempo? E se a raiva não existisse mais? E se a melhora dela não tivesse sido apenas física?

Pensei em Carlos sobre aquela cama, piorando cada vez mais, precisando de pomadas, sem contar com os remédios caríssimos que nem sempre eu conseguia no hospital. Pensei em Cecília, tão pequenininha ainda, nas coisas que ela precisava e eu não podia dar. Naquela manhã ela não teria nem leite, se Maiara não trouxesse.

Suspirei, muito cansada. O aluguel continuava atrasado e eu vivia pedindo prazos ao dono. E aquele agiota e suas ameaças. Uma semana de prazo.
Deus do céu! Eu preciso dar um jeito de arranjar esse dinheiro.

Não podia correr o risco deles fazerem qualquer maldade com a minha filha ou até mesmo comigo.
Cecília e Carlos dependiam de mim.

Esfreguei o rosto e encarei novamente Maiara.
Estávamos à beira de passar fome, ficarmos sem casa e sofrermos violência. O meu orgulho era o que menos importava ali.

- Acho que você está certa. Vou procura-la.

- Isso mesmo, So. - Incentivou. - Quem sabe não foi
Deus que pôs esse jornal na sua frente?

- Quem sabe? - Repeti sem acreditar. - Preciso descobrir como entrar em contato com ela.

- Vamos descobrir. Eu te ajudo. - Ela sorriu e apertou minha mão com carinho.

Eu gostaria de ser tão otimista como Maiara Carla.

 CHANTAGEM - SIMORAYAOnde histórias criam vida. Descubra agora