Coração partido duas vezes

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Mais uma vez, depois de dois anos, me encontro agarrada ao travesseiro, chorando litros. Sinceramente eu não esperaria tudo aquilo. Ter sido apenas rejeitada doeria menos do que ter dito todas aquelas palavras que cortaram o restante de coração que havia em mim. Precisava disso tudo? Agora entendo o porquê dos traumas de relacionamentos. Palavras machucam mais do que agressão física. Mil vezes mais. Porque as palavras nos perseguem, sempre lembrando do desprezo que recebemos. São cicatrizes que ficam a mostra por muito tempo. E com certeza tudo que ouvi naquela dia vai ficar marcado. Eu não merecia aquilo, merecia? O que eu fiz? Me apaixonei?? Eu ouvi que não podia fazer alguém feliz, ou orgulhar outras pessoas, por seu eu?!São palavras que vão fazer um efeito duradouro na minha cabeça, não porque foi recente, mas porque foi dito mais de uma vez. Foram palavras repetidas! Palavras passadas que me machucaram e que voltaram para me assombrar e lembrar o quão inútil eu sou. Parabéns pra mim! Me apaixonando pelas pessoas erradas, no momento errado e recebendo o que devia. Talvez seja um sinal de que minha vida não vale nada e não faz sentido viver por aí vagando. Apenas existindo.

(...)

2 anos atrás

- Quem será? - Irene pergunta sorrindo quando duas mãos cobrem sua visão.

- Nunca saberá! - Irene sorri mais uma vez ao ouvir a voz de sua namorada. Tirando a mão dos seus olhos, se virou para abraçá-la.

- Jennie!! - Finge surpresa e rouba um selinho da mais nova.

- Senti saudades! - Sorriu.

- Eu também! Vamos? - Segura a mão da mesma e a puxa.

Jennie e Irene namoram a mais de 1 ano. Se conheceram assim que entraram no ensino médio e a amizade logo cresceu. Alguns meses depois começaram a namorar. A mãe de Jennie já sabia a sexualidade de sua filha e a apoiava. Ao contrário dos pais de Irene. Totalmente homofóbicos. As duas namoravam escondido até de suas amigas. Apenas a mãe de Jennie sabia, e ajudava as duas em seus encontros, sempre que podia. 

- Estava pensando em te levar lá em casa...

- Tá louca? Se sua mãe descobrir que a gente namora você está em maus lençóis!

- Calma! Ela não vai descobrir! É só termos cuidado! E mesmo que ela descubra, vou ficar com você independentemente do que aconteça! - Sorriu e Jennie corou. - Como você sabe, sexta é meu aniversário, então estava pensando em te convidar pra passar a noite!

- Não sei não... não acho bom arriscar...

- Qual é? Não confia em mim? 

- Claro que confio, mas é muuito arriscado!

- Te dou dois dias pra pensar! - Beijou a bochecha de Jennie.

- Tá, tá! - Riu e se aconchegou mais nos braços de Irene, enquanto iam à sorveteria.

Jennie gostava muito de Irene. Amava demais. Desde que começaram a namorar, sua vida mudou muito. Sorria com muita frequência e andava sobre as nuvens. Ela tinha certeza de que as duas foram feitas uma para a outra e Irene confirmava. Sempre saíam juntas e aproveitavam ao máximo, escondido, é claro. 

Com o pensamento no amor por Irene, Jennie aceita passar a noite de sexta com ela na sua casa. Só não esperava que tudo terminaria ali. De uma maneira totalmente inesperada e dolorosa.

(...)

- Irene... - Jennie tentava se separar do beijo quente que a namorada estava insistindo em ter. - Tem certeza? Estamos na sua casa!

- Eu sei, Jen! - Fez cara de deboche sorrindo. - É só um beijo! - Voltou a beijá-la.

Irene puxou Jennie para trocarem de posição, ficando por baixo e a mais nova por cima. Por alguns minutos, elas resistiram contra a vontade de ter mais do que um simples beijo, mas não conseguiram. Jennie passou a beijar o pescoço da namorada, enquanto as mãos passeavam pelos ombros, seios e, finalmente a barra da blusa, puxando-a para cima. Retomaram um beijo afobado, transmitindo o nível de excitação que estavam. 

- IRENE!! QUE ESCÂNDALO É ESSE??? - A mãe da garota grita da porta, indo em direção as duas e empurrando Jennie de cima da filha, fazendo a mesma cair no chão. - EU SABIA QUE TINHA ALGUMA COISA ESTRANHA NESSA MENINA!!! 

- M-m-mãe... - Sua voz saía em um sussurro inaudível. 

- ME DIGA O QUE ESTAVAM FAZENDO?? O QUE IAM FAZER??? - Ela puxa Jennie pela blusa a jogando contra Irene. Jennie estava assustada e precisava de amparo. Encolheu o corpo e tentou se esconder atrás de sua namorada. - É ISSO QUE VOCÊ QUER?! QUEIMAR NO FOGO DO INFERNO? HOMOSSEXUAIS SÃO JOGADOS NO FOGO E QUEIMARÃO PRA SEMPRE!! SE CONTINUAR DESSA MANEIRA EU MESMA TE JOGO LÁ!! QUE DESGOSTO! NUNA IMAGINEI QUE...NEM SEI SE POSSO MAIS CHAMÁ-LA DE FILHA, SUA... NOJENTA!! - Irene começou a chorar e Jennie segurou sua mão, na tentaiva de a consolar, passando segurança. Mas Irene soltou a mão dela bruscamente, se afastando.

- Eu juro mãe... - Soluçou. - Não fiz nada... - Olhou pra Jennie com olhar de desprezo. - Ela me agarrou! Ela me beijou, mãe! EU NÃO FIZ NADA!!! - Gritou chorando, deixando Jennie paralisada.

- SUA VAGABUNDA!! - Estalou um tapa tão forte no rosto de Jennie que ela caiu no chão, já chorando. - SAIA DA MINHA CASA AGORA!! SUA HEREGE!! SUA IMUNDA! ACHA MESMO QUE É CAPAZ DE FAZER ALGUÉM FELIZ?? OLHE BEM PRA VOCÊ!! SUA MÃE DEVE VIVER DECEPCIONADA POR TER UMA FILHA COMO VOCÊ!! DEVERIA SE ENVERGONHAR!!

Jennie pegou suas coisas o mais rápido que pôde e antes de sair deu uma última olhada em Irene, que a fitava com dor em seus olhos. Balançando a cabeça em negação para ela, se retirou da casa o quanto antes. Chorou amargamente o caminho inteiro.

"Mesmo que ela descubra, vou ficar com você independentemente do que aconteça!"

Foi a mentira mais dolorosa que ela poderia ter ouvido de alguém. Uma mentira que a perseguiria onde fosse. Amou e se entregou, pra receber desprezo em troca. 

Chegou em casa com as pernas fracas de tanto chorar no caminho. Fechou a porta e jogou a bolsa no chão, sentando ao lado da mesma e colocando pra fora toda lágrima que tinha direito.

-Mãe... MÃE.... - Chamava-a quase que desesperadamente. Rapidamente a senhora desceu as escadas correndo e vendo o estado da filha, se jogou ao seu lado e a abraçou o mais forte que conseguiu. - Mãe.... - Soluçava. 

- Via ficar tudo bem, querida! - Acariciava os cabelos da filha. - O que aconteceu?

- Mãe... eu sou uma decepção.  

- Jamais, minha filha!! Você é meu maior orgulho! Ter você aqui comigo e em meus braços, mesmo que chorando, foi o que sempre pedi em orações a Deus! Você é um presente pra mim e eu te amo muito! Nada fará diminuir o amor que tenho por você!

- Mas eu vou queimar no inferno.... - Aumentou os soluços e o choro.

- Quem te disse isso?! - Perguntou indignada, ainda acariciando a filha. - Não é verdade, meu bem! Ninguém tem o direito de dizer o futuro dos outros! Não se preocupe com isso! Estou aqui e tudo que acontecer com você vai ter que passar por mim primeiro! Vou te proteger enquanto vida tiver aqui na terra! 

Em seu coração, Jennie percebeu que as únicas palavras verdadeiras e sinceras vinham de sua mãe. Em quem ela realmente deveria confiar. E pra quem valeria a pena dar a vida.

- Oh meu Deus! O que fizeram com meu bebê?? - Perguntou examinando o rosto roxo da filha.

- Mãe...isso dói... - Chorou mais ainda.

- Vem... vamos cuidar disso, depois falamos sobre o que aconteceu! - Guiou sua filha até a cozinha pra colocar uma bolsa de gelo no local. Jennie segurava a bolsa de gelo no local do tapa enquanto sua mãe continuava as carícias, ora no cabelo, ora no ombro. - Eu te amo muito! Nunca se esqueça disso!

- Nunca vou esquecer! Eu também te amo, mãe! - Lacrimejou os olhos, recebendo mais um abraço de sua mãe.




O mundo esquecido de Soyaville  (Jensoo)Onde histórias criam vida. Descubra agora