Ao pular da janela, a garota colidiu com os galhos da árvore logo abaixo, o impacto lhe causando arranhões e hematomas. Quando finalmente alcançou o chão, caiu de joelhos e mãos no solo, sentindo a dor se espalhar por seu corpo. Respirou fundo, lutando para segurar um grito, e levantou-se com esforço. Estava assustada, mas sabia que não podia perder tempo. Caminhou com cautela até encontrar uma cabine telefônica enferrujada e abandonada.
Ela discou o número que sua tia havia anotado no velho pedaço de papel, junto ao nome "Ervé". O telefone começou a chamar, e seu coração acelerou. No terceiro toque, uma voz masculina atendeu com impaciência e desconfiança.
— Como conseguiu esse número?
Ela engoliu em seco, tentando encontrar palavras.
— Ahn... Olá... Eu... — começou, com a voz trêmula.
— Quem está falando? — a voz do outro lado da linha soava inquieta.
— V-você não me conhece... Minha tia... disse para procurar você. Eu... — sua voz vacilou, as lágrimas ameaçando cair. — Não tenho para onde ir, senhor.
Fez-se um silêncio pesado.
— Você é... Ervé? — ela perguntou, quase implorando por uma resposta.
Ouviu o homem suspirar do outro lado da linha, claramente irritado, como alguém que preferia não ser encontrado. Mesmo assim, algo dentro dele não o deixou ignorá-la.
— Onde você está? Sabe dizer?
— Acho que estou na praça central... Não tenho certeza. Minha tia não me deixava sair muito.
— O que você vê ao redor?
Ela olhou em volta, procurando por algo familiar.
— Tem uma placa... Está desbotada, mas acho que diz "Restaurante Familiar Tanno".
— Me espere aí. Mas tente se manter escondida. Se algum Eleven aparecer, suba numa árvore.
A linha ficou muda. Ele havia desligado.
Ela, com sua ingenuidade e inocência, sentou-se em um banco de concreto, o frio penetrando por suas roupas rasgadas. Algumas pessoas passavam, lançando-lhe olhares desconfiados. Ela sabia que chamava atenção por estar com uma bandagem no olho esquerdo — que pegara na gaveta junto ao papel com o contato de Ervé — cobrindo sua estranha anomalia. No entanto, o que parecia atrair mais os olhares era a expressão frágil de alguém que não pertencia àquele mundo devastado.
Entre os transeuntes, uma menina magra a encarava de longe. Ela começou a se aproximar devagar, seus olhos fundos e cansados se destacando contra a pele suja e as roupas em trapos. Seus passos eram hesitantes, mas seus olhos não se desviavam dela. A garota parecia farejar o ar, como um animal que detecta algo no vento. Parou a poucos metros, observando-a como uma presa.
Então, fechou os olhos, respirou fundo mais uma vez e, sem dizer nada, começou a se afastar.
Foi nesse instante que algo perfurou o silêncio. Um tiro.
O som do disparo ecoou pela praça, e a garota fugitiva assistiu, paralisada, à menina à sua frente cair de joelhos, suas mãos pressionando a cabeça enquanto gritos de dor escapavam de seus lábios. O sangue jorrava de sua cabeça, escorrendo até o chão. A garota gritou, mas seus gritos logo cessaram, e ela caiu morta.
A garota assustada não conseguiu se mover. Sentia-se quebrada por dentro, incapaz de compreender o que acabara de acontecer. Seus olhos ficaram fixos no corpo imóvel, e ela lutou para entender o que aquela cena significava.
Um homem apareceu ao seu lado, surgindo como uma sombra que ela não havia notado até então. Ele guardou a arma no casaco de couro preto, sem sequer olhar para o corpo no chão. Seu porte era imponente: cabelos longos e desarrumados até os ombros, olhos escuros e um rosto que carregava um misto de frieza e cansaço. Vestia um casaco preto aberto, deixando à mostra uma camiseta de tecido fino e escuro, calças jeans desgastadas e coturnos robustos.
— Você... — ela começou a dizer, confusa e assustada.
— Sim, sou eu — ele disse com impaciência, seus olhos avaliando a garota rapidamente. — Vamos.
Ela ainda olhava para o corpo da menina morta, tentando compreender o que acabara de acontecer.
— Por que a matou? — a pergunta escapou de seus lábios antes que pudesse pensar.
O homem bufou, visivelmente irritado com a pergunta.
— Está brincando, não está? — sua voz soava sarcástica, mas ao olhar para ela, percebeu que a garota realmente não entendia o que estava acontecendo. — Ah... ela era uma Eleven. Sabe, aqueles monstros.
— Mas... ela não parecia um deles — ela disse, olhando para o corpo inerte. — Ela não ia me fazer mal.
— Tá de sacanagem? — ele revirou os olhos. — Ela estava farejando você. Não me viu porque estava concentrada no seu cheiro.
Ela balançou a cabeça, ainda negando.
— Eu senti... alguma coisa diferente quando ela chegou perto de mim.
"Essa Eleven era diferente, não morreu instantaneamente com o disparo... Será que eles estão evoluindo?" Ele se questionava com essa nova observação.
O homem a olhou com curiosidade e, por um momento, a pressa deu lugar à confusão.
— Sou Ervé, líder da minha organização — ele disse, sem mais rodeios. — Agora, me diga: quem é você?
— Você é o líder dos rebeldes? Foi por isso que minha tia mandou eu te procurar?
— Responda minhas perguntas. Qual o seu nome, de onde veio, e quem é a pessoa que me forneceu o contato?
A garota hesitou antes de responder.
— Minha tia é Leslie Xang. Ela cuida de mim desde sempre, mas... ela ficou para trás, na nossa casa. — Sua voz tremeu, lembranças confusas invadindo sua mente. — Alguns homens invadiram a nossa casa... chamavam minha tia por outro nome, Xiao Fang, acho. Uma garota entrou no meu quarto e disse que, se eu fosse com ela, não atiraria. Eu estava com tanto medo... — Lágrimas escorriam por seu rosto, e sua voz quase sumiu. — Minha tia disse para eu fugir e te procurar.
Ervé a observava atentamente. Conhecia bem Xiao Fang. Sabia que havia muito mais naquela história do que aquela garota entendia.
— Tudo bem — ele disse, com uma calma forçada. — Confio na Xiao. E ela sabe se cuidar. Você pode vir comigo. Haruna vai cuidar dos seus machucados e te dar roupas limpas.
— Obrigada, senhor — ela disse, fazendo uma reverência tímida, ao mesmo tempo porque sua tia usava um nome falso.
— Não me agradeça ainda. Tenho muitas perguntas, mas precisamos sair daqui.
Ervé ofereceu o braço para ela. Ela hesitou por um momento, mas logo aceitou. Eles começaram a caminhar rapidamente, e ela teve dificuldades para acompanhá-lo. O silêncio que os envolvia era quase sufocante.
De repente, Ervé a olhou de soslaio, quebrando o silêncio.
— Você ainda não me disse uma coisa.
— O quê?
— Seu nome. Você tem um nome, não tem?
Ela parou por um momento, seu olhar perdido no céu que começava a escurecer, o vento balançando seus cabelos negros.
— Meu nome é Maori.
****
VOCÊ ESTÁ LENDO
BESTIARII
Mystery / ThrillerEm um mundo distópico onde as ruas são tomadas por caos, drogas, sequestros e monstros humanos conhecidos como "Elevens", a esperança reside nas sombras. Quando uma enfermeira se rebela contra um sinistro projeto governamental, ela foge com a única...