Ⅴ- Fragmentos de um Passado Sombrio

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Depois da visita inesperada de Sora, eles continuaram a conversa. Maori observava os detalhes ao redor: as prateleiras repletas de livros, as velas acesas, os incensos que liberavam um aroma adocicado, e o leve cheiro de cigarro misturado com bebida alcoólica que ele vez ou outra engolia. Ervé servia a si mesmo em um copo de vidro redondo.

— Agora, me fale um pouco mais sobre você.

— Eu já te contei. 

— Não quero saber apenas sobre o que aconteceu ontem. Quero saber sobre você. — Ervé fez uma pausa, observando-a com interesse — Você tem uma vida, não tem?

— Sim.

— E sentimentos também. Quero que me conte o que se passa dentro de você.

Ela hesitou. Sentiu-se seca, como se nada daquilo importasse. Sentou-se ereta, disposta a acabar com aquilo o mais rápido possível. 

— Por que quer tanto saber? Não basta o que já contei?

— Preciso conhecê-la de verdade se vou permitir que viva aqui. Você colocaria um estranho em sua casa, Maori?

Ela o fitou, mas permaneceu calada. Pensando na pergunta, entendeu que ele ainda não confiava nela.

— Não. Ficaria desconfiada.

— Exatamente. Eu quero confiar em você.

 Ela estava hesitante e tentando organizar seus pensamentos.

— Pode começar, conte-me sobre sua vida.

— Eu não me lembro muito da minha infância, tenho lembranças confusas.

— Como assim?

— Só vejo rostos embaçados e uma luz muito forte acima de mim, como se eu estivesse deitada, mais nada. Minha tia sempre disse que eram sonhos, mas eram muito estranhos. — Ela parou, olhando para baixo.

 Ervé a observou em silêncio por alguns momentos, deu um longo gole no vinho e voltou a encher seu copo.

— E... — ela começou, com um tom hesitante — Sempre que me lembro disso ou sonho com isso, sinto uma sensação estranha.

— Que tipo de sensação? — Ervé perguntou, interessado.

— Um vazio. Me sinto totalmente vazia por dentro, e meu olho sempre dói.

— Esse que você cobre?

— Sim.

Maori permanecia sentada, o olhar fixo no chão, os pensamentos emaranhados na confusão das lembranças que a atormentavam. Ervé observava-a com uma expressão pensativa, antes de quebrar o silêncio.

— Essas memórias que você mencionou, — começou ele, com um tom de voz grave e carregado de seriedade — você disse que vê pessoas estranhas e uma luz intensa. Há algum detalhe que se destaca dessas visões, algo que possa te ajudar a entender o que está por trás delas?

Maori desviou o olhar para ele, seu rosto mostrando uma expressão de angústia.

— Não consigo lembrar de muitos detalhes. — Ela murmurou — É como se uma névoa densa envolvesse minhas memórias. Eu vejo rostos distorcidos, sombras que se movem sem formar um padrão. A luz é ofuscante, como se estivesse em um lugar que não pertence a este mundo.

Ervé inclinou-se para frente, sua expressão se tornando mais intensa, quase obsessiva.

— Essas sombras... elas se parecem com algo? Como se fossem rostos ou figuras? Ou é apenas uma presença vaga e ameaçadora?

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