Capítulo I: "Melhores amigos"

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A casa do pastor Davi parecia uma mansão perto da humilde residência em que eu morava com minha mãe. Eu me sentia intimidado diante de tanto luxo, mas lá estávamos minha mãe e eu na presença do pastor Davi e sua família. Ela tinha uma relação de completa devoção por aquela família e eu odiava isso. Nenhum deles nunca me desceu, em especial aquele filhinho do pastor, o tal de Miguel. Ele era insuportável. Sempre querendo se sobressair, o bom moço, o certinho, o educadinho... Ele me enojava. Eu sabia que ele tinha algum segredo oculto, pois aquele jeitinho dele não era natural. Ele escondia algo e eu estava determinado a descobrir o que era.

- Como você sabe, Tânia, o Miguel foi criado na igreja. A Caetana e eu sempre o ensinamos sobre o amor de Cristo e como ser um bom homem para a sociedade. - Fiquei encarando o filhinho sonso do pastor enquanto ele sorria amigavelmente para mim e minha mãe. Fiquei de cara fechada o tempo inteiro e cruzei os braços o observando. Ele era baixo, usava óculos, tinha os olhos claros, o cabelo loiro jogado para o lado igual a um veadinho. Além do mais, ele tinha um bundão como todo bom moleque socadinho, o que contribuía ainda mais para zoação. Ele estava sempre feliz, "serelepe" como costumávamos dizer e isso dizia muito sobre ele. Ele era comedido, recatado, mas era nítido que ele gostava de homens. Ele podia até disfarçar, mas que isso era verdade, ah era...

- Eu sei, pastor. Por isso queria que ele fosse amigo do Filipe. Esse menino só me dá problema, só arranja confusão...

- Mentira! - Gritei, interrompendo minha mãe e assustando as outras pessoas que não estavam acostumadas com o meu temperamento explosivo. Dona Tânia me deu um beliscão e isso fez com que eu ficasse com a cara ainda mais fechada, principalmente quando vi o Miguel cobrir a boca para rir da situação. Não sei do que ele estava achando graça...

- Cala a boca que eu estou falando! - Ela falou quase sibilando seus olhos lançando chamas de advertência. Eu sabia que iria apanhar quando chegasse em casa, então resolvi ser ainda mais inconveniente. Já que estava na merda mesmo...

- Tá rindo do que? - Perguntei , meus olhos fixos em Miguel. Ele ficou automaticamente sério, descobrindo a boca e ficando numa postura reta. Ele estava um pouco para trás dos pais e eles não estavam vendo o quanto o cretino era dissimulado, mas eu conseguia ver direitinho, aliás eu sabia muito bem do que ele era capaz... E foi ali que eu conheci a pessoa que estragaria toda a minha vida.

Miguel e eu ficamos "amigos", porém eu não suportava a presença dele, e ele não suportava a minha. Nós tentávamos conviver de forma pacífica, mas ele dificultava a situação. Sempre com aquele jeitinho de moleque mimado, todo cheio de frescuras e não me toques, sempre querendo ser o rei da etiqueta e bom comportamento. Que porre! Odiava a forma como ele conseguia sempre se sair bem de qualquer situação, a maneira como ele parecia tão perfeito aos olhos dos outros, enquanto eu lutava para ser ouvido, para ser visto. Ele era o espelho do que eu desprezava, a personificação de tudo que me irritava, e eu sabia que por trás daquele sorriso, havia algo sombrio, algo que eu estava determinado a desmascarar.

Nós discutíamos sempre, pois ele me achava um ogro, grosso e agressivo. Quando é que ele iria entender que eu não era sem educação, e sim ele quem era delicado demais ? Inclusive pela escola começava a rodar o boato de que ele era gay, mas como ele era filho do pastor o pessoal respeitava e evitava ficar fazendo piadas, porém eu não me importava, o zoava e tocava nessa ferida dele sempre que possível, só para deixá-lo mais chateado, já que quanto mais triste, menos ele interagia comigo. Eu não queria ser visto andando com ele para cima e para baixo, pois logo pensariam que eu também sou gay por acompanhá-lo. Quanto mais longe do Miguel, para mim era melhor. No entanto, essa distância acabou fazendo com que eu me aproximasse ainda mais dos outros meninos e consequentemente do tráfico.

Comecei a traficar escondido na escola. No começo eu relutei a entrar nessa, mas alguns meninos faziam e conseguiam uma grana boa com isso, então eu resolvi aceitar. No início fiquei com medo de fazer aquilo dentro da escola, mas depois que eu peguei as manhas, traficar lá dentro foi a coisa mais tranquila. Estava tudo correndo bem até Miguel interferir. Ele percebeu o que estava rolando e tentou me fazer parar, porém quem era ele para me dizer o que eu devo ou não fazer? Ninguém, e foi exatamente isso que eu disse a ele.

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