Capítulo XVI: O Fim

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Filipe

Eu fui o primeiro a acordar. Na verdade, eu não consegui dormir. Meu corpo ficou num estado de alerta onde eu ficava a todo momento ouvindo os barulhos atrás da porta, olhando furtivamente pela janela tentando notar alguma movimentação esquisita e, acima de tudo, ficava observando Miguel dormir de forma segura. Ele parecia um anjo, sua respiração regular e serena contrastava com o turbilhão de emoções que dominavam minha mente. Ele estava todo encolhido e parecia tão frágil, como se precisasse ser protegido. Deitei novamente na cama ao lado dele e acariciei seu rosto, sentindo aquele seu perfume específico. Fiz um afago suave em seu cabelo, observando-o com um misto de ternura e preocupação. Cada respiração tranquila de Miguel parecia pesar mais em meu coração, trazendo à tona a decisão que eu sabia que precisava tomar. Eu o amava mais do que qualquer coisa, mas esse amor também trazia uma responsabilidade esmagadora. A segurança de Miguel sempre esteve em primeiro lugar, e eu sabia que minha presença poderia colocá-lo em risco constante.

Eu traí meus padrinhos do crime que seriam VH e meu pai. Eu descumpri a regra sobre não cagoetar e entreguei nossa área para a facção rival. Eu abandonei a missão no meio do caminho... Nunca mais eu poderia pisar no Rio de Janeiro, provavelmente. Além disso, haviam membros da facção espalhados em todos os lugares, até na política, e se Jairo estiver me odiando tanto quanto demonstrou naquela ligação, eu estava correndo um risco indo atrás dele.

- Deixe-me ir, preciso andar... Vou por aí a procurar, sorrir pra não chorar. - Cantei baixinho enquanto observava Miguel dormir. - Se alguém por mim perguntar, diga que eu só vou voltar depois que eu me encontrar... - Eu nem sabia de quem era aquela música, mas a minha mãe sempre cantava quando eu era menor, na tentativa de me acalmar quando tinha tiroteio lá na favela. Eu estava sentindo aquele mesmo sentimento agora.

Senti uma pontada de dor ao pensar na possibilidade de deixar Miguel para trás. A ideia de acordar sem o calor de seu corpo ao lado, sem seu sorriso todas as manhãs era quase insuportável. No entanto, a outra alternativa era ainda mais sombria: continuar fugindo, arrastando Miguel para uma vida de medo e insegurança. Ele não merecia isso. Ele tinha uma vida perfeita. Diploma internacional, dinheiro, pais presentes e que se importavam com ele. Davi e Caetana deviam estar desesperados, o príncipe deles havia sumido sem dar nenhuma notícia. Eles estavam certos desde o início, era melhor ele se afastar de mim enquanto era tempo.

Miguel moveu-se e pareceu querer acordar, me afastei para não tirá-lo do seu descanso. Peguei meu celular e minha bateria havia acabado. Agora eu precisava pensar no que fazer daqui pra frente. Eu não queria arrastar Miguel para os meus problemas, já estava decidido a deixá-lo para trás. 

Levantei da cama lentamente para não acordá-lo e caminhei até a janela. Olhei para a rua tranquila, as luzes das poucas lojas e postes criando um cenário tranquilo, meu interior era o completo oposto do que eu via pela janela. Senti a brisa fresca da madrugada tocar meu rosto, como se tentasse clarear meus pensamentos. Eu estava dividido entre: o desejo de proteger Miguel versus o desejo de estar ao lado dele para sempre. Olhei para a cama onde ele descansava e meus olhos se encheram de lágrimas.

- Caralho, mano. Como que eu vou te deixar aqui? - Pensei apertando os punhos ao lado do corpo. Eu amo ele pra caralho, mas se ele se machucar por minha causa... nunca vou me perdoar. Cada fibra do meu ser gritava para ficar, para lutar ao lado de Miguel e enfrentarmos juntos qualquer ameaça. Entretanto a razão me dizia que, ao partir, eu estaria garantindo a segurança de quem mais amava. Foi uma decisão cruel e injusta, mas eu sabia que eu primeiro escolheria o caminho que ofereceria a Miguel a melhor chance de uma vida longe de toda essa instabilidade que eu poderia oferecer.

De acordo com o relógio da parede eram cinco e meia da manhã, meu celular estava descarregado. Eu estava com a bateria igualmente arriada, mas precisava tomar uma atitude. Jairo sumiu com minha mãe e meu primo. O morro pra mim não era mais uma opção, visto que todos lá me consideravam um traidor por causa do Jairo. Com os olhos marejados, olhei mais uma vez para Miguel. Ele parecia tão estável e pacífico. Aproximei-me da cama, ajoelhando ao lado dela. Beijou suavemente a testa de Miguel.

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