Prólogo

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1995

Já escurecia e o frio chegava aos poucos. Luana, Ana e Ju estavam sentadas na calçada, Tinham entre dez e onze anos de idade, já não queriam brincar com bonecas, nem queriam flertar com os meninos que passavam de bicicleta na rua só para vê-las.

Estavam de férias. Ju e Luana eram vizinhas e nesta época do ano, Ana sempre passava alguns dias na casa das amigas. Eram da mesma sala, unidas como cola, tudo era feito em bando.

Laura, a irmã de Luana, tinha nove anos. Sempre foi metida e não tinha muitas amigas, apenas uma das cinco meninas, Bella, que a idolatrava e sempre a seguia. Laura sempre quis andar com os mais velhos, precoce por essência. Andava atrás da irmã e, apesar da rejeição, levava sua amiga inseparável consigo

Era uma cena conhecida, o trio ternura, a perua mirim e sua aprendiz. Bastava as três sentarem no ponto de encontro que logo a dupla se juntava.

Bella sempre foi risonha, morava no mesmo bairro. As ruas, naquela época, eram ponto de encontro de crianças jogando bola ou andando de bicicleta ao entardecer. Ana adorava sentar ali e ver Lucas, o irmão de Laura e Luana fazer manobras radicais em sua Caloi.

Parecia uma tarde comum. O silêncio das três que somente apreciavam a rua e as duas inquietas querendo fazer parte de um bando que não lhes pertencia. Passou um vendedor de bolas, daquelas enormes, coloridas. Laura correu para dentro de casa e voltou com dinheiro para comprar uma. Bella e Laura começaram a rebater o trambolho. Se divertiam tanto com aquilo que Ju, Ana e Luana resolveram se juntar a elas.

Vez ou outra, tinham que interromper a brincadeira para que um carro passasse. Fazia frio, mas seus corpos estavam quentes. Só percebiam o clima, porque a bola leve voava com força do vento. Não havia mais sinal dos meninos e suas bicicletas, provavelmente estavam na rua de baixo.

A brincadeira continuava animada até que por um soco forte, aliado ao vento, a bola foi parar na casa mais apavorante da rua.

— Laura, agora você se vira. — falou Luana brava com a irmã.

— Eu não vou na casa da dona louca e da bruxa descabelada.

Bella não tinha medo das duas mulheres de meia idade, aparentemente esquisitas que moravam naquela rua. Eram um mito entre as crianças, umas as denominavam de bruxas, outros de macumbeiras, mas todas acreditavam que eram loucas. Sabe-se que todo ano elas tentavam distribuir balas em dia de São Cosme e Damião. Ninguém aceitava, somente Bella.

Bella foi andando em direção à casa de muros altos. Ana e Ju andaram atrás dela. Laura e Luana titubearam antes de segui-las. A corajosa bateu no portão tentando resgatar a bola.

Com um sorriso acolhedor foram recebidas no portão. A simpatia da senhora fez desarmar nas amigas medrosas um pouco do pavor que sentiam.

— Por favor, nossa bola caiu na sua casa. Poderia pegar para nós. — pediu Bella sorrindo tímida.

— Podem pegar, entrem. — convidou abrindo o portão.

Uma a uma, foram entrando na casa. Cada um no seu tempo, com medo, assustadas. Era uma casa de madeira, tinha uma horta linda. Não tinham alfaces ou couves plantadas. Eram ervas com um cheiro sublime que davam a casa um charme a mais. Laura a todo momento lembrava da história de João e Maria.

Em cima de um pentagrama pintado no chão, estava a bola, intacta. Bella se apressou para pegá-la, Ju e Ana se aproximaram encantadas com o desenho no chão. Laura apertou a mão da irmã com medo e juntas foram ao encontro das amigas.

Cada uma em uma ponta da estrela, olhando os detalhes encantadas, perceberam que se tratava de um mosaico. Ninguém avançava para pegar a bola, mas ninguém se afastava.

A senhora ficou ali olhando para elas e um sorriso discreto brotou em seus lábios.

— Vejo que são amigas e me parecem bem unidas. — falou em uma voz suave. — Eu e a Rose nos conhecemos há trinta anos. Já estivemos aí onde vocês estão com outras três amigas.

As meninas se entreolharam e Luana pegou a bola. Andaram apressadas em direção a porta e antes que saíssem a senhora concluiu:

— Não deixem que o tempo dissolva a amizade de vocês. Cultivem e estejam sempre uma próximas uma da outra.

Saíram apressadas e voltaram para a calçada. Não eram tão próximas, não todas. Laura e Bella não faziam parte daquela turma. Cada uma com seus próprios pensamentos, medos e fantasias refletiam sobre a visita na casa das bruxas.

— Ela não me pareceu uma pessoa má. — falou Ju pensando alto.

— Nem todas as bruxas são más. — completou Ana.

— A estrela no chão era bem bonita. — observou Laura

— Será que seremos amigas por trinta anos? — questionou Luana, ainda pensando nas palavras daquela mulher.

— E se fizéssemos um pacto de sangue? — sugeriu Bella empolgada pela primeira vez por se sentir parte daquela turma.

— Eu tenho nojo de sangue. — falou Laura com cara de nojo.

— Para que servem os pactos de sangue? — perguntou Ju.

— Acho que é para nos tornarmos irmãs, assim ficamos todas com o mesmo sangue. — falou Luana, parecendo entendida.

— Então não preciso fazer com você Luana, nós já temos o mesmo sangue. — falou Laura aliviada.

Ana se levantou e pegou uma rosa murcha que estava na grade do portão. Retirou uma pétala e um espinho.

— Eu não sei como faz, mas podemos colocar nosso sangue nessa pétala de rosa. — sugeriu Ana entregando a pétala para Luana.

— E como vamos guardar? — perguntou Ju interessada na aventura.

— Numa caixa transparente, a Laura tem uma. — sugeriu Luana.

Ana furou seu dedo e apertou para que a gota caísse na pétala. Luana e Ju fizeram a mesma coisa. Relutantes, deixaram que Bella colocasse ali a sua gota. E sob protestos e gritos, Laura permitiu que seu dedo fosse furado para completar o ritual.


Até que a vida nos separe... DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora