BRUNA GRIPHÃO - Vila Mariana - SP
Bruna Griphão abriu os olhos ao ouvir a vibração que vinha da mesa de cabeceira. Piscou uma, duas vezes, até que o quarto estranho entrasse em foco. Deviam ser pelo menos duas da manhã, talvez mais.
Tateou até achar o celular, lençóis brancos sedosos se enrolando em suas coxas nuas enquanto ela se virava para silenciar a chamada, que parecia barulhenta o bastante para acordar...
Ah, merda.
De novo. O nome da mulher deitada ao seu lado fugiu das suas lembranças da noite anterior, as letras quase impossíveis de ler entre as imagens da exposição de arte na pequena galeria Fitz, no Copan. Algumas fotos de sua autoria nas paredes, um punhado de frequentadores assentindo e elogiando, mas nunca se interessando o bastante para comprar alguma coisa, o champanhe que não parava de circular... Tudo isso seguido daquele bar florido na MacDougal Street regado a muito, mas muito uísque.
Bruna virou a cabeça e olhou para a mulher que dormia ao seu lado. Corte curtinho, cabelo castanho-escuro, pele aveludada, boca bonita, coxas grossas e mãos fenomenais. Lorena? Laura. Não. Lola. O nome dela com certeza era Lola.
Talvez.
Bruna mordeu o lábio e pegou o celular que ainda vibrava, estreitando os olhos para ver o nome piscando na tela iluminada na escuridão.
DesKey
Mal teve tempo de rir do modo como tinha registrado o nome da irmã postiça na lista de contatos antes de apertar Ignorar. Era instintivo. Segundo a experiência de Bruna, uma ligação às duas da manhã raramente era coisa boa, sobretudo se fosse Key Alves telefonando. E quem é que ainda liga para os outros? Por que Key não podia mandar uma mensagem de texto como um ser humano normal?
Tá, tudo bem, havia várias mensagens não respondidas no celular de Bruna, mas, em sua defesa, ela não andava prestando para muita coisa ultimamente. Estava com o aluguel perto de vencer e se preparava para a exposição na Fitz, onde seu trabalho só fora exposto porque ela conhecia a dona, Rita Fitz, sua ex-colega garçonete que tinha recebido de herança da avó grana suficiente para abrir uma galeria.
As semanas anteriores tinham sido um turbilhão entre servir mesas em meio período no River Café, no Ipiranga, e fotografar retratos e casamentos, que juntos mal davam para o aluguel e a comida. Ela estava a uma catástrofe de distância de ser obrigada a se mudar para São Caetano e, se seu objetivo era entrar no implacável mundo da arte renomada e clássica de São Paulo, morar em outra cidade não era uma opção.
Sim, tinha vendido uma ou duas obras, mas sua fotografia era de nicho, como dissera um agente que se recusara a representá-la, e arte de nicho não era fácil de vender. Então, sim, ela andava ocupada demais dando um duro danado para falar com a irmã. Além disso, Key nem gostava tanto assim dela. Fazia cinco anos que elas não se viam.
Já fazia mesmo tudo isso? Que inferno, estava tarde.
Bruna largou o celular no peito quando Jaque surgiu em seus pensamentos pela primeira vez em um bom tempo. Meses. Ela fechou os olhos com força, voltou a abri-los e ficou olhando para o teto, coberto daqueles adesivos de estrelas que brilham no escuro. Sentou-se na cama com uma sensação gelada de pânico correndo nas veias. Estava em um alojamento de faculdade?
Deus, por favor, não.
Bruna tinha quase 30 anos, e as universitárias... bom, ela já tinha passado por essa parte da vida. Preferia mulheres da sua idade, sempre preferira, e ficava satisfeita em deixar para trás todos os abalos e suspiros dos seus 20 e poucos anos. Foi relaxando conforme o quarto ficava mais nítido. Sentiu a maciez dos lençóis caros entre os dedos. O cômodo tinha vários móveis modernos, em linhas retas e madeira clara. Obras de arte sofisticadas enfeitavam as paredes, penduradas com maestria. Uma porta aberta levava à sala, da qual Bruna agora se lembrava claramente como o cenário onde – Lana? Lily? – a havia empurrado em um sofá branco muito elegante e tirado sua calcinha, jogando-a por sobre o ombro nu.
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Clouds - Brulari
FanfictionBruna Griphão jurou nunca mais voltar ao Rio de Janeiro, a cidade onde cresceu. Lá não há nada para ela, só as lembranças da infância solitária e do desprezo da madrasta e da irmã postiça, Key. Em São Paulo ela tem uma carreira como fotógrafa em asc...