Capítulo 5

511 51 23
                                    

BRUNA GRIPHÃO - Pousada Caleidoscópio, Nova Friburgo - RJ

Quando Bruna abriu os olhos, não fazia ideia de onde estava.

Chita.

Muita chita.

Flores cor-de-rosa enormes a engoliam em um mar de colchas e travesseiros. Até o papel de parede florescia como um jardim primaveril. Não era exatamente raro ela acordar na cama de outra pessoa, mas também não acontecia todos os dias. E as mulheres com quem passava a noite não eram do tipo que enchia a casa de estampas florais.

Uma dor de cabeça se dilatava atrás dos olhos e o estômago se revirou quando Bruna se sentou. Ela se lembrava vagamente de ter misturado bourbon e vinho na noite anterior, e foi assim que sua mente voltou para a Taverna da Stella e a Pousada Caleidoscópio em Lumiar.

Meu Deus.

Ela caiu sobre os travesseiros – que tinham um aroma leve de gardênia ou outra flor enjoativa – e esfregou as têmporas antes de dar uma olhada no celular. Acabava de passar das nove. Ainda tinha bastante tempo para se arrumar e chegar no horário combinado para tirar fotos banais em preto e branco de gente hétero mordiscando petits-fours no brunch de Key.

Meu Deus, o brunch de Key.

Ela fechou os olhos com força e inspirou pelo nariz bem devagar. Por um instante, pensou em ficar na cama e não aparecer. Só Key já era péssima, mas Isabel certamente estaria lá, e Bruna nunca sabia como agir na presença da madrasta impecável. Era como conversar com uma estátua de mármore – bela, fria, a expressão facial sempre travada. Bruna se lembrava de uma época em que Isabel sorria, até ria, olhando para seu pai como se ele tivesse não só colocado a Lua no céu, mas feito com que brilhasse só para ela.

 Isabel tinha amado Kakau Griphão de verdade. Sabia muito bem disso.

Era Bruna Griphão sem Kakau que a mulher não compreendia, assim como Bruna não compreendia Isabel. Mas a madrasta sempre parecera aceitar muito bem a incompreensão mútua, e isso doía mais que qualquer outra coisa.

Bruna puxou a coberta até cobrir a cabeça e abriu seu e-mail, esperando ter recebido algo da Fitz sobre uma venda ou talvez uma resposta de um dos agentes de fotografia a quem ela havia enviado seu portfólio nos últimos meses.

Nada.

Clicou na aba de enviados e abriu o último e-mail mandado a um agente que ela queria tanto que a representasse que seria capaz de abrir mão de sexo por dez anos se isso garantisse o negócio. Leu a mensagem mais uma vez, ficando um pouco mais calma com seu profissionalismo e o conhecimento claro que tinha da área. Então clicou no link para seu portfólio on-line, rolando a tela com imagens de seus melhores trabalhos.

Eram todas em preto e branco, todas de mulheres ou pessoas não binárias, todas com vestidos ou ternos de casamento e água e alguma espécie de caos. Sua favorita mostrava duas mulheres, ambas de vestidos de renda meio esfarrapados, com galhos e folhas presos nos cabelos e de mãos dadas, entrando no Lago Champlain no meio de uma tempestade.

Não era a foto mais segura que ela já tinha produzido, mas, caramba, tinha valido a pena. A luz estava perfeita, com as gotas de chuva reluzindo como balas de prata no ar e o desespero evidente no modo como ela fizera com que as modelos – Estela e Michaela, duas mulheres que conhecia do trabalho de garçonete no River Café – se agarrassem uma à outra. O efeito era encantador e assustador ao mesmo tempo, trauma e esperança. Era lindo.

Era bom.

E, ainda assim, sua caixa de entrada continuava acumulando teias de aranha.

Ela passou para a conta do Instagram, onde tentava publicar uma foto por dia. Coisas estranhas que fotografava pelas calçadas, fotos únicas que tirava em casamentos, qualquer coisa que combinasse com a marca que estava tentando construir – queer, feminista, zangada e bonita.

Clouds - BrulariOnde histórias criam vida. Descubra agora