BRUNA GRIPHÃO, CASA DAS GLICÍNIAS - LUMIAR, RJ
Bruna parou na entrada, a Casa das Glicínias despontava diante dela. Estava anoitecendo, o céu era de um lavanda suave e parecia que algumas pessoas já estavam lá. Ela não podia – não queria – entrar naquela casa só com Isabel e ficar jogando conversa fora. Ou, o que era mais natural para a madrasta, ficar jogando indiretas. Nem tinha certeza de que conseguiria entrar de um jeito ou de outro, mesmo com a casa cheia de outras pessoas.
A Casa das Glicínias sempre fora um lugar confuso para ela. Por um lado, tinha morado ali com o pai durante dois anos, dos 8 aos 10. Lembrava-se dessa época, ao contrário das imagens nebulosas e disformes que tinha da infância na cidade em que cresceu. A mãe, que morrera antes de Bruna completar 4 anos, era só uma sombra, um borrão de cabelo ondulado e mãos macias em seu rosto. Mas do rosto do pai, Paulo, ou Kakau como ela chamava, ela se lembrava muito bem, assim como dos olhos castanhos-escuros e da risada alta, que vinha do fundo da barriga, fazendo Bruna rir também, mesmo quando ela não entendia a piada. A Casa das Glicínias era dele, construída e batizada para sua nova família, para a filha que ele não pôde ver crescer.
Mas a Casa das Glicínias também era delas. De Isabel. De Key.
Depois da morte de Paulo, o luto de Isabel fora pesado, como um manto preto que cobria tudo. Ela já tinha perdido o primeiro marido para o câncer – um dos motivos pelos quais ela e Kakau estabeleceram um vínculo: o luto compartilhado em razão de uma doença terrível – e perder outro marido tão repentinamente quase a matou. Bruna se lembrava de pensar, em sua própria névoa de tristeza, que Isabel talvez morresse de desgosto e ela e Key ficassem sozinhas de verdade ou talvez fossem mandadas para longe.
Mas Isabel sobreviveu, e, conforme ela voltava à vida, Bruna esperava pela mãe de que precisava. Esperou pelo consolo e pela segurança. Caramba, a mão de alguém apertando seu ombro ao passar por ela já teria feito com que seu coração se sentisse mais à vontade dentro do peito. Key certamente não ofereceria nada disso, mas Isabel também não. A mulher a alimentava. Comprava materiais escolares. Garantia que ela fizesse o dever de casa. Comprava presentes de Natal. Vestia a menina com as roupas de grife que Key adorava, mas para as quais Bruna nunca ligou, e pronto. Necessidades básicas, deixando o amor totalmente de fora da equação.
É bem verdade que ela também não era muito carinhosa com Key, mas se envolvia. Sempre perguntava sobre os projetos escolares e sobre as amigas da filha, ia a todas os jogos da escola e torcia alto, incentivando-a a ser melhor e mais rápida. Também era um tipo de cuidado, não era?
Key recebeu toda essa atenção quando elas eram mais novas. Depois, quando chegaram ao ensino médio, a mesma atenção parecia irritá-la. Ainda assim, sempre que se sentava ao lado de Isabel nas arquibancadas de metal, vendo Key voar pela quadra de vôlei com o rabo de cavalo castanho balançando atrás dela, Bruna ansiava por uma pergunta, qualquer pergunta, qualquer incentivo em relação à sua vida.
Nunca veio. Então, quando os dedos de Bruna envolveram o diploma ao som de aplausos educados e nada emotivos, ela soube que estava na hora de ir embora de uma vez.
Agora, como em todas as outras poucas vezes que voltara à cidade nos últimos doze anos, ela olhou para a linda fachada de tijolos da Casa das Glicínias e sentiu um leve pânico fervilhar a cada respiração. Colocou as mãos na barriga e respirou fundo. Sabia que tinha que entrar e passar por aquilo como tinha passado pelo brunch. Só precisava de um instante para se preparar. Mas o instante se estendeu, e ela sabia que a qualquer momento seu celular chamaria com Key gritando sobre profissionalismo e pontualidade.
Deu um passo em direção aos degraus da entrada, e mais um, e estava quase no primeiro degrau quando um carro familiar parou na frente da casa.
Um mini cooper prata.
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Clouds - Brulari
FanficBruna Griphão jurou nunca mais voltar ao Rio de Janeiro, a cidade onde cresceu. Lá não há nada para ela, só as lembranças da infância solitária e do desprezo da madrasta e da irmã postiça, Key. Em São Paulo ela tem uma carreira como fotógrafa em asc...