Capítulo 3

437 55 27
                                        

BRUNA GRIPHÃO - Lumiar, Nova Friburgo - RJ

O cheiro da taverna da Stella era exatamente o mesmo da última vez que Bruna estivera ali – álcool, suor e areia que ficava nos arredores da cidade, trazida na sola dos chinelos de turistas. Ela não tinha planejado passar no bar quando saísse do carro que chamara pelo aplicativo de motoristas. Mas bastaram quinze segundos observando o centro escuro de Lumiar para lembrar que a essa hora, só tinha esse bar aberto na cidade, mesmo que fosse sábado.

A pousada onde ia ficar com certeza não tinha licença para vender bebidas alcoólicas, e ela jamais conseguiria lidar com a irmã postiça e a madrasta sem um pouco de coragem líquida. Depois de entrar, no entanto, ela hesitou, ficando de pernas bambas de repente quando as risadas e a música alcançaram seus ouvidos. 

Fazia cinco anos que não ia ao Rio de Janeiro. Cinco anos que tinha deixado São Paulo, deixado Gabriel e sua boca mentirosa por isto: o aconchego da cidade, todas aquelas caras que se conheciam desde sempre, aquele clubinho do qual ela nunca sentira fazer parte, mas que ainda assim a fascinava. 

Desde que havia se mudado de Niterói para lá com o pai, ela com 8 anos, ele com uma aliança novinha no dedo, era assim, parecia que ela estava do lado de fora de uma casa iluminada e acolhedora, na chuva, batendo na janela. E tudo ficara ainda pior com a morte do pai, dois anos depois, deixando Bruna com uma madrasta e uma irmã postiça que não tinham a menor ideia do que fazer com ela.

Bruna respirou fundo e olhou para o balcão. Ficava a uns trinta passos de onde ela estava, um mar de corpos entre ela e uma bebida. Ela morava em São Paulo. Era artista. Uma artista que estava passando por perrengues, sim, mas uma artista, caramba. 

Essa cidade, sua família, não ia derrotá-la. Nunca mais. Ela tirou a jaqueta preta de couro e a largou por cima da mala. O ar úmido e alcoólico pareceu grudar em seus braços, mas era melhor que sufocar de casaco. 

Virando o corpo para encostar no menor número possível de pessoas, manteve a cabeça baixa e andou rápido até o bar. Ali, soltou o ar aliviada. O barman era um desconhecido, não alguém com quem ela havia estudado no ensino médio e que a encararia franzindo os olhos como se ela fosse um quebra-cabeça que ele não conseguia resolver. Ela era praticamente invisível nos tempos de escola, um fantasma com uma nuvem de cabelos claros rebeldes e olhos azuis que ela mantinha no piso de lajotas sujas, a esquisita, enquanto Key brilhava como uma estrela no baile.

– Uísque, puro – disse, deixando a mala ao lado de uma banqueta e apoiando os braços no balcão.

O cara – Tom, dizia seu crachá – sorriu, piscou para ela e serviu a dose com um gesto exagerado, despejando-o de uma altura de uns 60 centímetros. Ela ficou olhando para ele, tamborilando as unhas compridas pintadas de cinza no balcão reluzente. Ele colocou a bebida na frente dela e se apoiou no balcão. Cabelo bagunçado, barba aparada, olhos castanho-escuros. Provavelmente era bonitinho para quem apreciava a forma masculina.

– Obrigada – disse ela, virando o copo.

A bebida desceu queimando, aquecendo-a de um jeito que fez aquele maldito casamento parecer suportável. Porém, ela sabia que não ia durar.

– Você é daqui? – perguntou ele.

Ela se segurou para não revirar os olhos.

– Não faço seu tipo – disse.

O sorriso dele fraquejou.

– Não?

– Não.

– Acho que talvez faça.

Clouds - BrulariOnde histórias criam vida. Descubra agora