O outro lado

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ROBERTA RATZKE

Meu corpo e minha mente ainda sentiam os efeitos da noite na casa da Carol há algumas noites atrás. Fisicamente minha perna doía como o inferno. Isso é o que acontece quando você tem uma placa de platina e dezenove parafusos após uma fratura cominutiva e exposta de fêmur e resolve sair correndo por aí.

Lembro de correr sem destino certo casa à fora, mas ter que parar pela dor dilacerante que me acometeu apenas alguns metros depois. Alguns minutos se passaram e então ouvi Pietra chamar meu nome.

Ainda assim a dor da mente era mais perturbadora. Culpa, medo, angústia, diversos sentimentos vinham e voltavam em mim, fazendo com que eu ficasse presa em um looping eterno de tristeza e ansiedade.

- Tia Rô? - Malu perguntou entrando na sala com uma folha nas mãos.

- Estou aqui. - Vi seus pequenos pés se apressarem em direção ao sofá onde eu estava.

- Trouxe um presente. - Ela me mostrou o desenho e eu o peguei para analisar de perto. - Fiz hoje na escola. Você gostou?

- Eu amei! Você é a melhor desenhista desse mundo, sabia? - Admirei os rabiscos mal feitos que eu sequer conseguia decifrar o que eram e sorri.

- A Prof Rosa também gostou. Ela disse que estava lindo. - A garotinha disse sorrindo e orgulhosa e por um momento minha mente foi até Rosamaria.

Eu definitivamente não esperava que ela viesse até aqui. Pietra ainda estava furiosa com a sua visita, mas decidi não tocar mais no assunto com ela.

Nossa conversa foi estranha mas ao mesmo tempo significativa, pelo menos para mim. Há alguns erros que jamais terei a chance de consertar e talvez seja por isso que eu tenha tanto ímpeto em tentar amenizar os que ainda tenho chance. Talvez seja isso que me move a querer reparar as coisas com ela.

Ainda que eu não saiba como.

- A Prof perguntou por você hoje. - Malu disse de repente e minha atenção foi voltada para ela. - Ela queria saber se você estava dodói.

- E o que disse a ela? - Perguntei com curiosidade.

- O que a mamãe me disse, que você estava dodói aqui. - A minha garotinha favorita no mundo bateu sua pequena mãozinha em minha cabeça.

Foi inevitável não sorrir para sua inocência. Eu me sentia renovada sempre que tinha a chance de passar algum tempo com ela. Era como se ela me fizesse sentir digna, como se a vida estivesse me mostrando uma nova oportunidade.

- Obrigada por ter explicado. Ela veio aqui e nós conversamos. Isso deixou a tia Rô um pouco melhor. - Malu parecia feliz com a minha informação, então me abraçou, deixou um beijinho no meu rosto e saiu correndo pela casa.

No fim daquele dia eu decidi ir para casa. Meus pais chegariam de viagem e eu não queria ouvir outro sermão sobre como eu nunca estava lá para passar algum tempo com eles.

Pietra não ficou feliz com a ideia, ela gosta de manter os olhos em mim quando as coisas não estão equilibradas, mas resolvi ir mesmo assim.

Depois que eu estava em casa, não demorou muito para que eu pudesse ouvir os passos de Amélia e Beto rondando o ambiente. Os cumprimentei com um abraço desajeitado e voltei para o meu quarto no mesmo instante.

Alguns horas depois minha mãe me informou que o jantar estaria servido e mesmo eu dizendo que não estava com fome, ela me fez descer para comer com eles.

- É só isso que vai comer?. - Minha mãe reclamou quando me viu colocar apenas um pouco de salada no prato.

- Eu disse a você que estava sem fome. - Resmunguei de volta, não me importando em me servir de mais comida.

Mistakes - RosabertaOnde histórias criam vida. Descubra agora