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CALIOPE

eu não sei quando nos tornamos o que somos. como nossa cumplicidade e amizade se tornou amarga demais para suportar. talvez tenha sido só uma briguinha boba de criança que nos fez chegar até aqui. talvez tenha sido um monte delas. tudo o que sei é que eu e ela não somos mais as mesmas. as noites contando segredos, as brincadeiras inventadas às pressas, as danças com nossas músicas favoritas... tudo isso se foi, não só com o tempo mas acho que nos perdemos no meio do caminho.

é uma meia verdade, sim. mas ainda não consigo admitir que a maior parte da culpa é minha, mesmo que eu fosse só uma criança que precisava de terapia.

agora eu a observo de longe. sempre perfeita demais sem fazer esforço. a melhor da turma em tudo que envolve cálculos. fluente em francês e o diamante da temporada de basquete no time feminino do colégio.
eu não fico atrás também. sempre as maiores notas em tudo que envolve arte. fluente em italiano e capitã das líderes de torcida.

confesso que muitos dos meus talentos eu devo a ela. sempre que a via se destacando em alguma coisa, eu me sentia irada e tinha que encontrar algo para ser melhor. até que pareceu suficiente, e então o que importava era quem era mais conhecida, quem era mais popular. sobre isso eu posso dizer que estamos no mesmo patamar.

sou tirada do meus pensamentos quando meu namorado, noah, coloca seus braços sob meus ombros. desvio os olhos do campo, onde observava haylee jogar. seus braços flexionados quando mirava e acertava a cesta, sem titubear.

— oi. — comprimento sorrindo.

— oi, princesa. — ele me dá um selinho rápido.

eu e noah estamos juntos há mais ou menos um ano. ele faz parte do time masculino e nos conhecemos pelo esporte. o basquete sendo a única modalidade que se destaca a décadas na cidade.

eu nunca senti meu coração bater mais forte por ele, ou esse tipo coisa que leio em livros, mas na época pareceu conveniente sair com ele quando rolou o convite. então estamos aqui. ele sempre tentando manter a relação e eu sem me esforçar minimamente para isso continuar acontecendo. não me entendam mal, ele é ótimo, só não para mim.
as vezes me pego pensando o porque de ainda estar com ele, e não consigo encontrar respostas plausíveis.

— você acabou o treino? — pergunto, querendo ir embora. ele era minha carona.

— não, mas não tô afim de terminar. — deu de ombros.

me esforcei para não revirar os olhos.
eu sabia o motivo: o time dele estava perdendo.
e ele não aceita perder.

foi inevitável não pensar em haylee e na sua determinação para sempre manter o time feminino no topo, enquanto ele nem levava a sério.

sabe aquelas crianças que quando perdem levam seus brinquedos embora porque não aceitam a derrota? era ele. só que já não era uma criança há bastante tempo.

— me leva em casa?

ele assente, segurando minha mão.
dou uma última olhada para quadra e meu estômago fica estranho ao vê-la conversando intimamente com outra garota do time.
eu não deveria ligar. e nem sei porque ligo, de verdade.

noah puxa minha mão e o sigo até o estacionamento, onde seu carro novo e comprado com o dinheiro dos pais, reluz na luz do sol.

abro a porta e pulo pra dentro, me sentando e me ajeitando no banco de couro. o cheiro do interior do veículo me fazendo relaxar instantaneamente.

noah entra logo depois de mim, ligando o som com uma música eletrônica horrível. tenho que virar o rosto para fazer uma careta sem que ele visse.
isso já está beirando o ridículo!

o passado de presente.Where stories live. Discover now